Graças a você me embriaguei levitando pelo Louvre, dei beijo de esquimó no sorriso destemperado de Mona Lisa, molhei sem querer os pés naquele fim de mundo chamado Veneza. Vi Madre Teresa perdendo a paciência com os pobres, uma velha insuportável - não conosco (acho que foi o meu pingente de pentagrama), testemunhei Dalai Lama jogando pedras num lago, entediado suplicando por reencarnação, e Buda (o próprio ou um deles) conversando sobre vinho com Confúcio, atordoado com Tetris. Graças a você subi as alturas da Torre de Babel em 98, e mergulhei no fundo de Atlântida, segurando a tua mão de Helga Sinclair só para gargalhar co'o velho Zeus e suas piadas viscerais ao lado de Odin, tocando gaita. Graças a você testemunhei o Gênesis ser transformado em um show de talentos celeste, com Adão desafinando as tripas e Eva roubando a cena com uma performance de rockstar enquanto Lilith me ensinava sobre como o amor é pior que qualquer outro veneno. Embarquei no barco de Caronte, que assobiava Led Zeppelin enquanto cobrava a passagem em bitcoins. Graças a você assisti Perséfone e Hades debaterem o uso sustentável do submundo, enquanto Ícaro lucrava vendendo chapéus na entrada. Vi os pulsos de Cronos, que medem o caos com a precisão de um relojoeiro divino. Toquei os restos da lira de Orfeu, afinada pelo desespero das sombras. Conheci Medusa, não nos campos de batalha, mas no mercado negro de enfeitiçados espelhos quebrados. Ouvi o eco distante das danças de Shiva, que moldavam universos ao som de tambores atrevidamente inexistentes. Encontrei Prometeu, agora dono de uma rede de churrascarias, com especialidade em “carne divina”. Acompanhei Atena, que perdeu uma aposta para Ares e virou comentarista esportiva do submundo. (Re)Descobri Pandora leiloando caixas de papelão em uma liquidação de feira popular, com frete grátis para outros mundos. Graças a você, o Olimpo virou um festival, com Apolo no palco principal e Dionísio distribuindo brinde batizado no camarote. E eu, perdido no êxtase desse delírio, soube que tudo isso só existiu porque você, como ninguém, me apresentou ao reino sublime dos meus próprios sentimentos (como se valessem alguma coisa). Graças a você, ejaculei o Big Bang. Vi Darwin arrancando rascunhos da "Origem das Espécies" porque achava que faltava sal. Experimentei o gosto amargo da imortalidade em um bar clandestino do tempo, enquanto Nietzsche e Platão ao lado jogavam truco e discutiam sobre quem era mais insuportável. Graças a você descobri que o esconder-se é revelar-se para si. Ouvi Beethoven tocar uma valsa de elevador para irritar Mozart. Caminhei lado a lado com Van Gogh, que pintava selfies antes do pôr do sol porque "ficava mais poético". Graças a você soube que a Torre de Pisa inclina porque é preguiçosa, que os faraós escondiam pornografia hebraica nas pirâmides, e que o ouro de Eldorado só serve pra embrulhar chocolate belga. Vi Shakespeare finalmente admitir que "Romeu e Julieta" era apenas um roteiro piloto de websérie, e que Páris foi cortado por falta de audiência. Descobri que a Grande Depressão foi causada pela falta de charme. Fui convidado para o chá da Rainha Victoria, que reclamava que o século XIX era um "porre de monotonia". Graças a você aprendi que Atlas largou o mundo no chão porque queria se inscrever numa academia devido vaidade. Caminhei pela Muralha da China só para encontrar Genghis Khan assinando um contrato de exclusividade co'uma agência de turismo. Graças a você vi Tesla largar a eletricidade pra virar aspirante a comédia improvisada da década de 20, pouco depois da minha avó nascer, onde ensinava a fazer torradeiras com raios de plasma. Einstein disfarçando chupões e mordidas das jovens estudantes. Graças a você entendi que o universo inteiro é uma orquestra sinfônica sentindo-se constantemente desafiada por um invisível que golpeia, acalenta, acaricía, mata, renasce, desliza, evolui, chapa o coco, regida por um maestro bêbado — mas, por algum motivo, ainda não consigo parar de dançar. Graças a você vi Zeus sendo barrado em um casamento em Creta porque Hera o pegou flertando com as ninfas do buffet. Presenciei Atena discutindo no tribunal dos deuses porque Hermes plagiou sua ideia de "Google Olímpico". Graças a você descobri que Apolo trocou sua lira por uma guitarra elétrica, mas Orfeu o processou por concorrência desleal, e Ártemis ameaçou abrir um parque de caças veganas para evitar piadas com touros dourados. Graças a você assisti Thor reclamando que o Mjölnir estava com delay nos raios e Loki vendendo NFTs de suas transformações. Presenciei Poah tentando explicar o conceito de runas para adolescentes vikings, que só queriam saber de MSN rúnico. Graças a você vi Anúbis tirar férias porque reclamaram que sua balança não era “inclusiva” e Osíris aceitar cartões telefônicos em oferendas funerárias. Sob sua influência, Bastet foi capturada num viral de memes enquanto Ammit fazia cosplay de justiceiro no tribunal egípcio. Graças a você quero pintar o seu nome em meu braço com luzes e neon o suficiente para competir com Vegas. Graças, minha gracinha! Graças a você, entendi que o Olimpo, o Valhala e o Duat são só camarotes diferentes de uma mesma festa intergalática, e nós somos as formiguinhas que elas adoram ver em movimento sem ritmo lá embaixo. Graças a você ficou mais fácil me encontrar. Somos um pouco melhores que formigas sem ritmo.
Vi você, jovem, escrevendo o meu nome em seu braço com canetinha.
Sempre faltando um S.
Tornou a escola menos insuportável, agradeço a paisagem e... pardon.
Aliás, Sabrina, morreremos nos devendo.
(Cássio D. Versus, Cartas Para o Passado, 2005)
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