Na penumbra deslumbrante das horas esquecidas, onde a morte ensaiada se entrelaça com o fio tênue da memória traiçoeira, encontro-me monstro com avental sujo de cozinheiro sedento por carnificina. Sou um espectro de desejos ultrapassados, brado rouco de anseios transpirados que se perdeu nas canalhas dobras do tempo. Minhas mãos, outrora firmes, agora tremem como folhas outonais, e os olhos, esses poços traiçoeiros de melancolia interminável, refletem meu céu noturno interior em sua vastidão insondável. A solitude é minha companheira fiel, amante que grita através do silêncio, que sussurra segredos nas frestas da alma de toda essa floresta. (...) As palavras, como fios de seda, escapam-me entre as garras. Busco decifrar os enigmas do coração, da mente, do espírito, mas as reflexões se dispersam como planetas suicidas, deixando apenas rastros efêmeros na escuridão. O desejo, esse animal selvagem, ronda-me como um lobo faminto querendo que eu escolha o alimento de seu dia, e eu sou seu cúmplice, aliados fantasmas no mundo dos vivos. (...)
Nossos encontros são fugazes, como notas musicais que se desvanecem no ar de forma incendiária. Você me toca com a delicadeza de manusear um violino antigo, e eu me entrego, sem reservas, à canção da saudade. Somos dois estrangeiros perdidos na vastidão do universo, buscando abrigo nas entrelinhas do destino. E assim, nas madrugadas insone, eu me torno um poeta-psicopático de sombras, um alquimista de doutrinas. (...) Escrevo cartas que nunca serão enviadas, versos que jamais encontrarão olhos ou ouvidos. Minhas necessidades especiais são invisíveis, como as asas de um anjo caído, e eu as guardo no cofre secreto do meu peito, essa caixa toráxica de pólvora altamente tóxica... (...) Talvez haja beleza na imperfeição, na fragilidade que nos torna humanos. Enquanto a chuva desenha arabescos nas janelas, eu me permito sonhar com um amor que transcenda o tempo e as estações. Um amor que seja tão etéreo quanto a própria música, a leitura, o cinema, que preenchem a minha alma.
(Cássio D. Versus, 2006)
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