22 de set. de 2023

1964





















Em becos sujos da alma, onde a noite é um vício,
caminham paixões clandestinas sem destino propício,
e seguindo os rastros de desencantos na escuridão
o amor igual fumaça se desfaz pelos ares sob ilusão.

No bar sórdido feito eu o copo testemunha a agonia
dos corações desfeitos presos na teia da melancolia,
as lembranças como lâminas afiadas cortam fundo,
deixando marcas na pele, na mente e no espírito imundo.

Ela, um suspiro no cigarro. Ele, um trago da bebida.
Fumando e bebendo solidão que se cansa da companhia,
olhares outrora incandescentes piscam agora brasas frias,
restos de um cemitério cheio de sóis e burladas utopias.


(Cássio D. Versus)
 

um certo tipo de transe duradouro


Ficarei entre 15 e 18 de agosto alucinadamente ocupado, 
pois estarei em 1969. 
Para ser mais exato, na cidade de Bethel, 
numa fazenda, em New York. 


(anotações perdidas, 2017)
 

Disco Dance


Franklin morreu. Nosso melhor amigo em comum.
Tartaruga. Nunca abria aquelas garrafas caras de rum.
Morreu e as garrafas ficaram, nunca quis roubá-las,
e todos os trabalhos pendentes, mulher infiel, futebol,
churrasco no apartamento, conheci aquela garota,
me deixou olhar tudo no celular dela, até as conversas,
Copa foi lá, a última que assistimos, Cuba Libre,
não deixou filhos, acredito ter sido sua maior conquista.
O sócio conseguiu a loja e continuou comendo sua esposa.

Algo me diz que sentimos mais saudades do que eles.
E que choramos mais também. Infelizmente.

PS: Ele prometeu nos visitar na terça, e se foi na segunda.
Péssimo técnico de informática que não cumpre palavras.

Mas visitou a Guardiã em outro plano, perdido e aéreo...
Procurando, antes de mais nada, Cláudia, a vagabunda...

(anotações perdidas, 31 de julho de 2017)

mapa do desencontro


Uma prima da amiga da Sue faleceu hoje, de alguma forma fiquei sabendo disso e acabei anotando pois provavelmente eu seja meio mórbido. Cheiramos cocaína escondidos no banheiro de casa enquanto bebíamos na companhia da Guardiã, Lobinho e Postman. Eles não sabiam do nosso suposto pequeno crime. Senti certa vontade de demonstrar afetuosidade, a euforia da junção das drogas fez-me ficar totalmente sensível a emoções, quanto a ela, parecia bem mais acostumada e falava quinquilharias interessantes que me tiravam a atenção sobre como externar esse tal carinho incontrolável que estava a sentir pela figura da mademoiselle naquele momento. Ficamos. Mas não disse nada. Restou a lembrança fragmentada de um delicioso ato sem palavras necessárias para formar a cena que os demônios adorariam assistir enquanto comem suas pipocas de sangue coagulado. A raposa sonha com cavaleiros negros montados em sombrios alazões formando círculos e eu adoraria saber qual a parte dela nisso tudo.


(anotações perdidas, 06 de Agosto de 2017)

Amar é Aceitar Partes


"Nesta manhã de terça-feira fria e azulada apesar do incêndio que nos acomoda a aceitar fumaça dentro de nossos corações transgressores e mudos, gosto assim, e sinto sua falta, nossas almas feito jardins de cemitério ansiosas pelo resto do dia que virá sob nuvens e chuva e arco-íris e o ensolarado que Deus dará onde talvez tudo nos pertença enquanto nada nos permite - superamos ventanias que tentam abalar as estruturas da fortaleza que nos cerca porém as asas deste círculo flamejante são fortes, para com os inimigos atrozes, impiedosas, famintas e ferozes..."

Te amo com o teu abismo que é
alguma coisa cheia de personalidade,

estar contigo é fazer reunião com a Deidade.


(Versus, Coisas do Balão)
 

Continuum


"Os bons morrem cedo." Disse Seu Luís, o churrasqueiro.
Sua esposa Dona Jane morreu num vagão do metrô no centro.

Nunca gostei de nenhum deles.

Só bebi um copo hoje. 
Várias vezes.
Mas no mesmo copo.

Eu gostava mesmo era da filha da proprietária viúva.
Parecia a cópia nacional da admirável Helena Mattsson.
Cheguei a conhecer seu pai, ex-proprietário.
Cabeça de porco com espíritos suínos em habitação.
Usava um chapeuzão de caubói em plena metrópole.
Lembrava-me bastante o Sérgio Reis, do underground.

"Entregue-se, sempre. 
Saiba rezar a qualquer momento."

Uma feiticeira muitos anos depois viria a me dizer isso
com outras palavras, claro, porém com o mesmo sentido.
Ela estudava ocultismo enquanto cuidava de seus bebês...

(...)

- Anotações perdidas, 2017