3 de jun. de 2013

Folha Solta


Não me culpeis a mim de amar-vos tanto,
mas a vós mesma e à vossa formosura,
pois se vos aborrece, me tortura
ver-me cativo assim de vosso encanto.

Enfadai-vos; parece-vos que, enquanto
meu amor se lastima, vos censura;
mas sendo vós comigo áspera e dura,
que eu por mim brade aos céus não causa espanto.

Se me quereis diverso do que agora
eu sou, mudai; mudai vós mesma, pois
ido o rigor que em vosso peito mora,

a mudança será para nós dois;
e então podereis ver, minha senhora,
que eu sou quem sou por serdes vós quem sois.


(Vicente de Carvalho)

Eu não espero o bem que mais desejo


Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas e verdades que sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo,
Em vosso olhar, severo ou distraído,
E anda à vista naquilo que mais vejo.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego,
Põe-se a sonhar o bem que não existe.


(Vicente de Carvalho)

Envelhecendo


Tomba às vezes meu ser. De tropeço a tropeço,
Unidos, alma e corpo, ambos rolando vão.
É o abismo e eu não sei se cresço ou se decresço,
À proporção do mal, do bem à proporção.

Sobe às vezes meu ser. De arremesso a arremesso,
Unidos, estro e pulso, ambos fogem ao chão
E eu ora encaro a luz, ora à luz estremeço.
E não sei onde o mal e o bem me levarão.

Fim, qual deles será? Qual deles é começo?
Prêmio, qual deles é? Qual deles é expiação?
Por qual deles ventura ou castigo mereço?

Ante o perpétuo sim, e ante o perpétuo não,
Do bem que sempre fiz, nunca busquei o preço,
Do mal que nunca fiz, sofro a condenação.


(Emílio de Menezes)

As Pombas


Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
Das pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sangüinea e fresca a madrugada.

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam
Os sonhos, um a um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.


(Raimundo Correia)

Mal Secreto


Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!


(Raimundo Correia)

2 de jun. de 2013

Transit


Tu és dona de mim, tu me pertences,
e, neste delicioso cativeiro,
não queres crer que, ingrato e bandoleiro,
possa eu noutra pensar, ou noutro penses.

Doce cuidado meu, não te convences
de que tudo na terra é passageiro,
frívolo, fútil, rápido, ligeiro,
e a pertinácia do erro teu não vences!

Num belo dia - hás de tu ver - desaba
esta velha afeição, funda e comprida,
que tanta gente nos inveja e gaba...

Choras? Para que lágrimas, querida?
Naturalmente o amor também se acaba,
como tudo se acaba nesta vida.


(Artur Azevedo)

1 de jun. de 2013

A Instabilidade das Cousas do Mundo


Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
 
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.


(Gregório de Matos)

Soneto


Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco cos demais, que só, sisudo.


(Gregório de Matos)

Ao Braço do Mesmo Menino Jesus quando Appareceo


O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
 
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.
 
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
 
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo


(Gregório de Matos)
 

Define a Sua Cidade

(...)

De dois ff se compõe esta cidade a meu ver: um furtar, outro foder.

(...)  

- Gregório de Matos

Anjo Bento


Destes que campam no mundo
Sem ter engenho profundo
E, entre gabos dos amigos,
Os vemos em papafigos
Sem tempestade, nem vento:
 
Anjo Bento!
 
De quem com letras secretas
Tudo o que alcança é por tretas,
Baculejando sem pejo,
Por matar o seu desejo,
Desde a manhã té à tarde:
 
Deus me guarde!
 
Do que passeia farfante,
Muito prezado de amante,
Por fora luvas, galões,
Insígnias, armas, bastões,
Por dentro pão bolorento:
 
Anjo Bento!
 
Destes beatos fingidos,
Cabisbaixos, encolhidos,
Por dentro fatais maganos,
Sendo nas caras uns Janos:
Que fazem do vício alarde:
 
Deus me guarde!
 
Que vejamos teso andar
Quem mal sabe engatinhar,
Muito inteiro e presumido,
Ficando o outro abatido
Com maior merecimento:
 
Anjo Bento!
 
Destes avaros mofinos,
Que põem na mesa pepinos,
De toda a iguaria isenta,
Com seu limão e pimenta,
Porque diz que o queima e arde:
Deus me guarde!


(Gregório de Matos)

Melancholia


the history of melancholia
includes all of us.
me, I writhe in dirty sheets
while staring at blue walls
and nothing.
I have gotten so used to melancholia
that
I greet it like an old
friend.
I will now do 15 minutes of grieving
for the lost redhead,
I tell the gods.
I do it and feel quite bad
quite sad,
then I rise
CLEANSED
even though nothing
is solved.
that’s what I get for kicking
religion in the ass.
I should have kicked the redhead
in the ass
where her brains and her bread and
butter are
at …
but, no, I’ve felt sad
about everything:
the lost redhead was just another
smash in a lifelong
loss …
I listen to drums on the radio now
and grin.
there is something wrong with me
besides
melancholia.


(Charles Bukowski)