31 de mai. de 2013

Vulva, Kant, e uma casa feliz


- nós estamos num país livre, eu...
- não estamos, não senhor. é um país onde tudo se compra, se vende, se possui.


(Charles Bukowski)

30 de mai. de 2013

Consolo na Praia


Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens cão.

Algumas palavras duras,
Em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
Murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez nas águas,
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.


(Carlos Drummond de Andrade)

Fangela
















Fangela
Look at me
All is yours till the morning comes

Fangela
Look and see
Feast your eyes on a winded world

You've gotta move

You've gotta move

You've gotta move!


(Here We Go Magic)

22 de mai. de 2013

Sonho Humilde


Assim te quero amar; quero adorar-te assim,
sempre de joelhos, sempre, ó mármore sagrado;
e que teu corpo ideal não seja, para mim,
mais que um horto de sonho, ou que um jardim fechado.

Em todo amor defeso há um encanto sem fim,
que o faz extreme e leal, lúcido e iluminado:
A mulher que se adora é a Torre de Marfim,
mais alta do que o mal, para além do pecado.

O amor deve viver perpetuado no sonho!
Só desejar é bom: Possuir é renunciar
à ilusão, que nos torna o desejo risonho.

Ter só teu corpo é ter um tesouro maldito;
mas, possuir-te na alma e adorar-te no olhar,
é ter o céu inteiro, é ter todo o infinito! 



(Alceu Wamosy, 1895 - 1923)
 

Idealizando a Morte


Morrer por uma tarde assim como esta tarde,
fim de dia outonal, tristonho e doloroso,
quando o lago adormece e o vento está em repouso,
e a lâmpada do sol no altar do céu não arde.

Morrer ouvindo a voz de minha mãe e a tua
rezando a mesma prece, ao pé do mesmo santo,
vós ambas tendo o olhar estrelado de pranto,
e no rosto e nas mãos palidezes de lua.

Morrer com a placidez de uma flor que se corte,
com a mansidão de um sol que desce no horizonte,
sentindo a unção do vosso beijo ungir-me a fronte
— beijo de noiva e mãe, irmanados na morte.

E morrer... e levar com a vida que se trunca,
tudo que de doçura e amargor teve a vida:
o sonho enfermo, a glória obscura, a fé perdida,
e o segredo de amor, que não te disse, nunca! 



(Alceu Wamosy, 1895 - 1923)

21 de mai. de 2013

10/03/1854 - 23/11/1909


- A natureza tem sanções felizes,
rodeia o mal de penas pouco leves;
assim, tú tens de ouvir tudo que dizes,
e tens de ler também tudo o que escreves.


(Lúcio de Mendonça)

No Trem de Ferro

















Vinha sentado gravemente, mudo,
D'olhos baixos, obeso e venerando,

Mãos cruzadas no ventre, ruminando
Velhas rezas ou santo e duro estudo.

Ergue tímido o olhar, triste; contudo,
É paternal e bom; de quando em quando
Ao céu o volve, ao céu que vai passando
Pelas vidraças, empoeirado. Tudo

Nele respira a fé e cheira a igreja.
Por todos os seus poros Deus poreja.
Do seu breviário agora passa as folhas.

Pio varão! para este já começa
O reino do Senhor!... mas sai à pressa
E cai-lhe da batina — um saca-rolhas!



(Lúcio de Mendonça)