30 de set. de 2014

Mágoa


E cai como uma linda cachoeira dourada.
Retorno à minha mágoa, sorrio, olho, e peço:
- Mais uma por favor.

(Antonio Fernando de Almeira, Curitiba - PR)

22 de set. de 2014

Dos Musgos Mares


Águas vivas
Vertem ébano
Fundo inverno

Velhas ondas
Vagas tortas
Falsa encosta

Chuva estia
Vento revira
Vulto transpira

Rumo à deriva
Raia incrédula
Lágrima fria

(Cris de Souza)

Intrínseco


O segredo volta a ver
Deixa claro o profundo
Busca destreza no parto

O medo volta a crer
Deixa caro o fecundo
Brusca estranheza no ato

Mesmo que reaja sempre
Não há veia sem deixa

Mesmo que haja ventre
Não há vida sem queixa

(Cris de Souza)

Haveres


Há um vazio enorme
No que preciso
E não ostento

Há um fio disforme
No que improviso
E não sustento

É sempre tão complexo
Desterrar o vão
Que só a gente entende

É sempre tão conexo
Desregrar o são
Que só a gente aprende

(Cris de Souza)

A Metáfora


Basta uma tenda
Pro levantar do terreno
Que se endurece por osmose

Num pedaço soturno
Lagarta se descasa

Basta uma fenda
Pro libertar do tempo
Que se enaltece metamorfose

Num espaço oportuno
Borboleta bate as asas

(Cris de Souza)

Nem Freud Explica


Pra se livrar do embaraço
O ego desmente
Verdades iminentes

Pra se limpar do percalço
O ego defende
Mentiras inerentes

Mas o Eu se encarrega
Em desmascarar
Nos aponta toda sujeira

Mas o Eu não dá trégua
Em desarrumar
Nos desponta toda poeira

(Cris de Souza)

Na Ilha

 
Estranho barulho
São vozes ancoradas
Secando seus sais

Por trás do que calo
Há uma multidão de ais

Tamanho marulho
São fozes abarcadas
Molhando abissais

Por trás do que falo
Há uma solidão de cais

(Cris de Souza)
 

Oração do Verso Nosso


Verso nosso que estais ao léu
Conjugado seja o vosso pronome
Venha nós o vosso acento
Seja feita a vossa pluralidade
Assim no teclado, como no papel
O verso nosso de cada dia nos dai hoje
Perdoai-nos as nossas reticências
Assim como nós perdoamos o hiato estendido
E não nos deixeis cair em interrogação
Mas livrai-nos do ponto final
Hifén !

(Cris de Souza)

Do Ser Sem Rumo


Navega entre meus risos
Um choro perdido no mar

Enverga entre meus risos
Um choro retido sem ar

Meu ser circula nesse horizonte
Onde embarco as lágrimas
Que se disfarçam na espuma

Meu ser ondula nessa fonte
Onde abarco as lástimas
Que se esgarçam na bruma

(Cris de Souza)

Sem Retrato (do ser que não é)


Conheço o céu
Assim como o inferno
Sou íntima dos extremos

Conheço ao léu
Assim como o terreno
Sou íntima dos efêmeros

Sou do risco, sou do fundo
Mas sei corar abrigo
Meus altares são errantes

Sou do riso, sou do mundo
Mas sei chorar comigo
Meus pilares são mutantes

(Cris de Souza)

Da Arte Explícita


Te trago com os olhos
E sinto meus lábios
Em todos seus poros

És arte primeira
Da minha loucura

Te travo com a língua
E pinto minha pele
Em todas suas tintas

És parte inteira
Da minha procura

(Cris de Souza)

Pensares


"Penso em bem-te-vis pintados em versos soltos, mas que te abracem em texturas ardis, gorjeios anis das poesias violadas. Que te excitem em ondas diafánas, por cânticos ares, os quais espelham à grandeza. Penso em ti noutras correntezas, levada por brisa acarinhando a face, aninhada ao peito, bordada de borboletas, coberta de sutilezas. Que num ponto desse céu, nossas asas se retocam. Nossas águas se misturam, mesmo que por um instante, nas entrelinhas se evocam. Penso que o mistério que nos une é turquesa, matizando adiante, o lirismo enlouquente que perpetua esse instante. Numa foz, numa voz que deságua feito cachoeira, beirando delírios sem eira. Penso mais. Penso alto. Penso tanto. Em queda livre ao teu encontro."

(Cris de Souza)

Tchartkov


(auto-retrato, Gustave Courbet)

"Escute, meu rapaz", dizia-lhe com frequência seu mestre. "Tu tens talento, seria um pecado sufocá-lo, infelizmente, te falta paciência. Assim que algo te atrai, tu te lanças sobre ele sem cuidar do resto. Atenção, não vás te transformar num pintor da moda: tuas cores já são um tanto vivas, teu desenho não muito seguro, teu traço um tanto delicado. Costumas procurar os efeitos fáceis, as bruscas iluminações à maneira moderna. Cuida-te para não cair no gênero inglês. O mundo te seduz e eu tenho medo disso. Muitas vezes te vejo com um lenço de seda no pescoço, um chapéu muito brilhante... É tentador, sem dúvidas, pintar imagens da moda e pequenos retratos bem-remunerados; mas, creia-me, isso mata o talento em vez de desenvolvê-lo. Paciência. Amadurece longamente cada uma de tuas obras, deixa que os outros arrebanhem o dinheiro; o que é teu não te abandonará de modo algum." 

("O Retrato", Nicolai Gogol)