28 de jan. de 2025

Te Amo, Mas...


Resposta à Farsa do Poeta

Que palco é esse que tua pena pintou,
Se não o véu roto de tua própria visão?
És arauto das trevas, mas cegas o dia,
Confundes carne com ruína, amor com agonia.

Vês monstros nas vestes de quem ousa viver,
Mas esqueces que o espírito, mesmo em trapos,
Arde mais feroz que mil sóis.
Quem te fez juiz do brilho alheio,
Se teu tribunal é feito de espelhos partidos?

Falas de corpos vazios, mas eu digo:
Cada cicatriz é um grito de vitória,
Cada curva, um mapa do mundo.
O aço que oprime também molda,
E as línguas do tempo lambem, mas não consomem.

Quanto às mulheres que desdenhas com versos tortos,
Lembra-te: somos a alvorada que desafia a noite,
O ventre que sustenta o infinito.
Não herdamos de Eva o "horror",
Mas o fogo de questionar o Criador.

A ti, poeta das sombras, ofereço luz:
Não há "bestialidade" onde há coragem,
Não há "decadência" em quem respira.
A nudez que te aterroriza é o altar da existência,

E cada ruga, uma oração que o tempo entoa.
Se tua visão prefere o pântano ao céu,
Que a chuva lave tua pena e teu espírito.
E lembra:
Os deuses não julgam. Eles criam.


(De Milune Para D. Versus)

26 de jan. de 2025

Amo a recordação daqueles tempos nus


Amo a recordação daqueles tempos nus
Quando Febo esculpia as estátuas na luz.
Ligeiros, Macho e fêmea, fiéis ao som da lira,
Ali brincavam sem angústia e sem mentira,
E, sob o meigo céu que lhes dourava a espinha,
Exibiam a origem de uma nobre linha.
Cibele , então fecunda em frutos generosos,
Nos filhos seus não via encargos onerosos:
Qual loba fértil em anônimas ternuras,
Aleitava o universo com as tetas duras.
Robusto e esbelto, tinha o homem por sua lei
Gabar-se das belezas que o sagravam rei,
Sementes puras e ainda virgens de feridas,
Cuja macia tez convidava às mordidas!

Quando se empenha o Poeta em conceber agora
Essas grandezas raras que ardiam outrora,
No palco em que a nudez humana luz sem brio
Sente ele n’alma um tenebroso calafrio
Ante esse horrendo quadro de bestiais ultrajes.
Ó quanto monstro a deplorar os próprios trajes!
Ó troncos cômicos, figuras de espantalhos!
Ó corpos magros, flácidos, inflados, falhos,
Que o deus utilitário, frio e sem cansaço,
Desde a infância cingiu em suas gases de aço!
E vós, mulheres, mais seráficas que os círios,
Que a orgia ceva e rói, vós, virgens como lírios,
Que herdaram de Eva o vício da perpetuidade
E todos os horrores da fecundidade!

Possuímos, é verdade, impérios corrompidos,
Com velhos povos de esplendores esquecidos:
Semblantes roídos pelos cancros da emoção,
E por assim dizer belezas de evasão;
Tais inventos, porém, das musas mais tardias
Jamais impedirão que as gerações doentias
Rendam à juventude uma homenagem grave
– À juventude, de ar singelo e fronte suave,
De olhar translúcido como água de corrente,
E que se entorna sobre tudo, negligente,
Tal qual o azul do céu, os pássaros e as flores,
Seus perfumes, seus cantos, seus doces calores.


(Charles Baudelaire)

Para Meu Mentor, Amigo, Irmão e Amante


Meu amigo, és mais forte que qualquer Mastim
(seja inglês ou tibetano, foda-se o tamanho!),
mais musculoso que o maior Cão de Presa Canário
(com suas tripas e fluídos tu redecoras todo o cenário!),
mais poderoso e fiel que o destemido Rottweiler ...

Tua ferocidade transforma em mico o Fila Brazuca,
faz o Ca de Bou tremer do rabo até a nuca,
devora as ovelhas do vigilante Kangal guardião
e transforma em judeu qualquer Dogue Alemão ...

És mais tenaz que o intrépido Pit Bull Terrier
(que só de sentir teu cheiro começa a estremecer),
Não há ninguém para derrotá-lo, nem Bernardo gigante,
pois tua força não está nos músculos mas na fé constante.

Para: Pingo de Souza, Jerry.

PS: Sinto sua falta.


(Cássio D. Versus)

Para a Camponesa


Querida,
Saudade da tua companhia autêntica,
dos teus olhos que veem o mundo
com tanta delicadeza e profundidade. 

Sinto o peso da tua ausência, 
enquanto estou rodeado de presenças 
que apenas ocupam espaço, sem substância.

Te contei o que me mais atrai na tua graciosa pessoa? É a capacidade de localizar beleza em sua essência. Se pudesse te encontrar agora, perderíamos a noção do tempo, compartilhando saberes e histórias até a exaustão. Como um passeio vespertino, nossos pensamentos se entrelaçariam, e adormeceríamos sob copas acolhedoras, embalados pelo sussurro das folhas ao vento. No entanto, preciso ser honesto sobre nossas incompatíveis realidades. Nossos caminhos, embora árduamente belos, não convergem. Tu és um oásis de tranquilidade, eu sou um trovão de verdades inclementes. A proximidade que anseio nunca florescerá como desejamos, assim como provavelmente não agrado vossa fé (sorrindo). Sempre estarei por entre noites e dias nublados, onde o vento, como fiel mensageiro, levará meus sentimentos até ti, de forma muito mais do que devida e recíproca. Mesmo que a brisa do tempo suavize minhas lembranças em teu coração, sei que guardarei tua imagem com ternura por todas as eternidades que eu tiver que suportar sem vós. 

A cada 17 de abril, Dia Internacional da Luta Camponesa, escutarei a playlist que criei pensando em ti, revivendo momentos e sonhos que se perderam pelo ar pulvorizador. Não mais construirei mundos imaginários para nós pois não suporto as quedas invisíveis da gravidade tóxica que percebo poder gerar em sua vida. Convenhamos, mereces uma parceria no mínimo "decente", e a minha decência se foi junto com a minha educação quando precisei lutar em batalhas de colossais dimensões constantemente infiltrado nas artérias do inimigo até perder a identidade (ou descobrir que nunca a tive). Deixo que o vento dance nossa esperança não correspondida. Te desencontro com saudade, sabendo que sempre carregarei um pedaço de ti comigo.

Com respeito e despedida,

Cássio.

25 de jan. de 2025

No caos ergui meu templo derradeiro


No caos ergui meu templo derradeiro,
Entre os abismos, viro-me em poesia;
Na guerra, a humildade foi minha guia,
E em cada dor, o mundo é meu celeiro.

Segredos sussurrados no braseiro
Do mistério que, mudo, acaricia
A alma que no apocalipse se refugia,

Do espinho fez um cântico verdadeiro.
Vi glórias dissiparem-se no vento,
Que a queda traz à vida um fundamento.


(Cássio D. Versus, 2018)

Drunkorexia


Há algo na presença dela que desarma meu eixo, como se o universo cedesse um instante para observá-la existir. Minha alma, antes sólida e dona de si, dissolve-se em fragmentos, cada um gravitando ao redor da essência que ela carrega. Quando seus passos se afastam, sinto um vazio que não ecoa; uma ausência que não apenas ocupa, mas consome. O corpo que resta é mera fachada, um invólucro ansioso, nutrindo a promessa do reencontro. É como se eu, inteiro, partisse com ela, deixando para trás apenas uma sombra faminta por significado. E, nessa espera, o tempo congela, aguardando o momento em que minha existência reencontrará o coração que levou consigo.


(Cássio D. Versus, 2018)


24 de jan. de 2025

Na penumbra deslumbrante das horas esquecidas


Na penumbra deslumbrante das horas esquecidas, onde a morte ensaiada se entrelaça com o fio tênue da memória traiçoeira, encontro-me monstro com avental sujo de cozinheiro sedento por carnificina. Sou um espectro de desejos ultrapassados, brado rouco de anseios transpirados que se perdeu nas canalhas dobras do tempo. Minhas mãos, outrora firmes, agora tremem como folhas outonais, e os olhos, esses poços traiçoeiros de melancolia interminável, refletem meu céu noturno interior em sua vastidão insondável. A solitude é minha companheira fiel, amante que grita através do silêncio, que sussurra segredos nas frestas da alma de toda essa floresta. (...) As palavras, como fios de seda, escapam-me entre as garras. Busco decifrar os enigmas do coração, da mente, do espírito, mas as reflexões se dispersam como planetas suicidas, deixando apenas rastros efêmeros na escuridão. O desejo, esse animal selvagem, ronda-me como um lobo faminto querendo que eu escolha o alimento de seu dia, e eu sou seu cúmplice, aliados fantasmas no mundo dos vivos. (...)

Nossos encontros são fugazes, como notas musicais que se desvanecem no ar de forma incendiária. Você me toca com a delicadeza de manusear um violino antigo, e eu me entrego, sem reservas, à canção da saudade. Somos dois estrangeiros perdidos na vastidão do universo, buscando abrigo nas entrelinhas do destino. E assim, nas madrugadas insone, eu me torno um poeta-psicopático de sombras, um alquimista de doutrinas. (...) Escrevo cartas que nunca serão enviadas, versos que jamais encontrarão olhos ou ouvidos. Minhas necessidades especiais são invisíveis, como as asas de um anjo caído, e eu as guardo no cofre secreto do meu peito, essa caixa toráxica de pólvora altamente tóxica... (...) Talvez haja beleza na imperfeição, na fragilidade que nos torna humanos. Enquanto a chuva desenha arabescos nas janelas, eu me permito sonhar com um amor que transcenda o tempo e as estações. Um amor que seja tão etéreo quanto a própria música, a leitura, o cinema, que preenchem a minha alma.


(Cássio D. Versus, 2006)

23 de jan. de 2025

divagando sobre the end


É curioso como os pensamentos podem escorrer pela mente, como gotas que pingam sem direção, mas nunca sem intenção. A verdade ecoa como se as ideias fossem líquidas, fluindo por entre as frestas da consciência, sem moldes definidos. E nessa fluidez, encontro-me perdido, sem saber se sou correnteza ou recipiente. Talvez as memórias sejam apenas miragens, vapor se desfazendo no horizonte do que chamamos de "real". Desfazem-se, pingam, evaporam, mas deixam vestígios... marcas invisíveis. E nós? Somos feitos desses gotejamentos que mal compreendemos, tentando agarrar o que escorre pelos dedos. No final, seremos como a melodia de "The End" dos Doors: suave e temporária, intensa, existindo não para ser entendida, mas para ser sentida – como gotas que caem, incessantes, de um nimbo com o formato do seu rosto, sem porquês.


(Cássio D. Versus, Cartas Para o Passado, 2005)

22 de jan. de 2025

Ambiente Estromboliano Para Viver Recomendável Para Diversão Gratuita & Abatimento de Animais


Que velho afinado com a cultura. Foi procurar uma morte delicadamente bem calculada, com certo viés filosófico. Lampedusa, na Itália, é um dos ícones da migração clandestina rumo à Europa. Primeira viagem apostólica, estava manifestando contra a globalização da indiferença. Boa parte das noites são elegantes, tanto para os predadores quanto para as presas, pesadelos geralmente ocorrem depois que nos negamos a sonhar. Já chorei tantas vezes e nenhuma lágrima valeu o sacrifício de escorrer dos meus olhos castanhos amarelados. O espírito esconde-se por medo dentro da casca moribunda, acho que essa solidão minha com o céu ora nublado ora azul opressor me tornou insensível para elementos ou circunstâncias terrenas, ainda resta muita devoção dentro de mim, apenas esperando o primeiro par de asas, ou a língua da víbora. Hoje estou vestindo branco. Meu último dia com 33 anos. Era o que eu mais temia, ficar velho demais para morrer. Sempre quis estar por entre as ondas do mar ou despencar de alguma nuvem a desfazer-se nas labaredas das erupções do furioso Stromboli. Beleza oceânica, teu nome é um sussurro ecoando nas linhas das marés. Tua maldade é provavelmente a parte mais cativante que roubaste dos anjos caídos em pedaços de carne seca e luzes em gotas. Repito baixo o teu nome algumas vezes, nunca senti euforia que machuca, gosto de explorar essas sensações autênticas causadas pela tua presença, adoraria passear com você pelas ruas e de mãos dadas, tão estúpidos e lúcidos. Me detesto por te amar (ainda bem que essas coisas passam feito gripe - ou matam).

Te reverencio com esta taça de vinho, fantasma.


(D. Versus, 07/10/24)

Identidade Off-Label


Na penumbra, o poeta abraça o vácuo,
que se alastra feito névoa sobre um abismo mudo.
Cada estrela morta é um prego na sua carne,
e o firmamento, um espelho quebrado
onde o rosto some entre rachaduras.
A noite, vilã sem rosto, não consola.
Há um murmúrio nos cantos,
mas nenhum eco responde às súplicas
de quem busca consolo na garganta da escuridão.
Ela é musa e algoz, sempre distante.

Perder-se em si é duelo perpétuo,
onde a espada é feita de lembranças
e o escudo, de silêncios autoimpostos.
Mas na solidão germina algo sutil,
não consolo, mas fogo:
a essência que se molda no caos.

E então, o poeta não encontra salvação,
mas constrói sua perdição como catedral.
Cada pedra, um grito.
Cada arco, uma lágrima.
O vazio é sua obra,
e a solidão, o mais fecundo dos combates.
No fim, não há saída:
o ser e a essência nunca se separam.
E é nesse enlace bruto e mortal
que a criação floresce,
sangrando, mas viva.


(Cássio D. Versus)

21 de jan. de 2025

um ama mais e o outro ama melhor

Amor em Assimetria.

Amar desigualmente é a mais silenciosa das tragédias. Aquele que ama mais carrega o peso de uma devoção que transborda, sufocando no próprio excesso, enquanto o outro, que ama melhor, administra suas afeições com a parcimônia de um jardineiro que poda o excesso para preservar o essencial.

Na dissolução do vínculo, quem ama mais agoniza. A ausência não é apenas a falta de um corpo, mas a amputação de um futuro que se imaginava compartilhado. Cada lembrança torna-se uma lâmina, e o passado, um espelho que reflete um rosto agora irreconhecível.

Sozinho, permaneço numa sala impregnada pelo espectro do teu perfume, por palavras nunca ditas e pela promessa do teu retorno – que sei, nunca virá. O amor, que antes aquecia como um lar, agora é um quarto gelado, onde as paredes sussurram tua ausência.

Aceito o destino como quem aceita um exílio. Não há revolta, apenas resignação; não há esperança, apenas o cultivo discreto de uma melancolia que me faz companhia. Descubro, por fim, que amar mais é um ato de coragem; e amar melhor, um privilégio da alma que nunca me pertenceu.


(Cássio D. Versus)

fogo e sombra


Um dia Gaimon encontrou o fogo. Primeiro, temeu-o, pois a luz feriu seus olhos acostumados à penumbra, e o calor queimou seus dedos curiosos. Mas, ao persistir, descobriu que o fogo não era apenas destruição; era também criação. Nele, aprendeu a ver além do medo, a moldar formas na escuridão e a sentir o calor não como inimigo, mas como força. Ali, percebeu: o fogo era sua vontade, a centelha de vida que, mesmo pequena, poderia transformar tudo.

Mas o fogo só fazia sentido porque havia sombras. Essas sombras, inicialmente desprezadas como meros reflexos do que não se podia tocar, revelaram-se companheiras sussurrantes. Na escuridão projetada pelo fogo, a pequena criatura viu contornos, histórias e memórias. As sombras não negavam o fogo, mas completavam sua existência. Eram os limites que faziam a luz brilhar mais intensamente.

Assim, entre o fogo que guiava e a sombra que refletia, Gaimon Versus encontrou seu propósito: não fugir de um ou outro, mas caminhar na estreita linha onde ambos se encontravam, onde luz e escuridão dançam em harmonia. E, pela primeira vez, a pequena criatura talvez saiba o quão é imensa e microscópica simultâneamente.


(Cássio D. Versus, Cartas Para o Passado, 2015)

Mudanças


Levo a fé como vela hasteada na densa bruma do mar incerto enquanto sou sombra a vaguear em sentimentalidade abandonada no eco etéreo, sigo onde o sopro murmura segredos, levando apenas meu amor por Cristo como bagagem, um relicário de luz feito para evitar trevas próximas aos tormentos de meus pensamentos. Como detê-los, aliás? Adoro quando o céu veste cinzas e o horizonte desaparece, meus passos, vagos, tecem estradas em campos sufocantes da incerteza trajando cânticos de partida. Vida é a vela que nela existimos, nossos espíritos são as chamas, e a fumaça, nosso encontro com os Divinos. Empurram-me ao limiar do desconhecido. Apenas a noite, para ver o meu encontro com o invisível.


(Cássio D. Versus)
 

18 de jan. de 2025

para o passado: apocalipse


Graças a você me embriaguei levitando pelo Louvre, dei beijo de esquimó no sorriso destemperado de Mona Lisa, molhei sem querer os pés naquele fim de mundo chamado Veneza. Vi Madre Teresa perdendo a paciência com os pobres, uma velha insuportável - não conosco (acho que foi o meu pingente de pentagrama), testemunhei Dalai Lama jogando pedras num lago, entediado suplicando por reencarnação, e Buda (o próprio ou um deles) conversando sobre vinho com Confúcio, atordoado com  Tetris. Graças a você subi as alturas da Torre de Babel em 98, e mergulhei no fundo de Atlântida, segurando a tua mão de Helga Sinclair só para gargalhar co'o velho Zeus e suas piadas viscerais ao lado de Odin, tocando gaita. Graças a você testemunhei o Gênesis ser transformado em um show de talentos celeste, com Adão desafinando as tripas e Eva roubando a cena com uma performance de rockstar enquanto Lilith me ensinava sobre como o amor é pior que qualquer outro veneno. Embarquei no barco de Caronte, que assobiava Led Zeppelin enquanto cobrava a passagem em bitcoins. Graças a você assisti Perséfone e Hades debaterem o uso sustentável do submundo, enquanto Ícaro lucrava vendendo chapéus na entrada. Vi os pulsos de Cronos, que medem o caos com a precisão de um relojoeiro divino. Toquei os restos da lira de Orfeu, afinada pelo desespero das sombras. Conheci Medusa, não nos campos de batalha, mas no mercado negro de enfeitiçados espelhos quebrados. Ouvi o eco distante das danças de Shiva, que moldavam universos ao som de tambores atrevidamente inexistentes. Encontrei Prometeu, agora dono de uma rede de churrascarias, com especialidade em “carne divina”. Acompanhei Atena, que perdeu uma aposta para Ares e virou comentarista esportiva do submundo. (Re)Descobri Pandora leiloando caixas de papelão em uma liquidação de feira popular, com frete grátis para outros mundos. Graças a você, o Olimpo virou um festival, com Apolo no palco principal e Dionísio distribuindo brinde batizado no camarote. E eu, perdido no êxtase desse delírio, soube que tudo isso só existiu porque você, como ninguém, me apresentou ao reino sublime dos meus próprios sentimentos (como se valessem alguma coisa). Graças a você, ejaculei o Big Bang. Vi Darwin arrancando rascunhos da "Origem das Espécies" porque achava que faltava sal. Experimentei o gosto amargo da imortalidade em um bar clandestino do tempo, enquanto Nietzsche e Platão ao lado jogavam truco e discutiam sobre quem era mais insuportável. Graças a você descobri que o esconder-se é revelar-se para si. Ouvi Beethoven tocar uma valsa de elevador para irritar Mozart. Caminhei lado a lado com Van Gogh, que pintava selfies antes do pôr do sol porque "ficava mais poético". Graças a você soube que a Torre de Pisa inclina porque é preguiçosa, que os faraós escondiam pornografia hebraica nas pirâmides, e que o ouro de Eldorado só serve pra embrulhar chocolate belga. Vi Shakespeare finalmente admitir que "Romeu e Julieta" era apenas um roteiro piloto de websérie, e que Páris foi cortado por falta de audiência. Descobri que a Grande Depressão foi causada pela falta de charme. Fui convidado para o chá da Rainha Victoria, que reclamava que o século XIX era um "porre de monotonia". Graças a você aprendi que Atlas largou o mundo no chão porque queria se inscrever numa academia devido vaidade. Caminhei pela Muralha da China só para encontrar Genghis Khan assinando um contrato de exclusividade co'uma agência de turismo. Graças a você vi Tesla largar a eletricidade pra virar aspirante a comédia improvisada da década de 20, pouco depois da minha avó nascer, onde ensinava a fazer torradeiras com raios de plasma. Einstein disfarçando chupões e mordidas das jovens estudantes. Graças a você entendi que o universo inteiro é uma orquestra sinfônica sentindo-se constantemente desafiada por um invisível que golpeia, acalenta, acaricía, mata, renasce, desliza, evolui, chapa o coco, regida por um maestro bêbado — mas, por algum motivo, ainda não consigo parar de dançar. Graças a você vi Zeus sendo barrado em um casamento em Creta porque Hera o pegou flertando com as ninfas do buffet. Presenciei Atena discutindo no tribunal dos deuses porque Hermes plagiou sua ideia de "Google Olímpico". Graças a você descobri que Apolo trocou sua lira por uma guitarra elétrica, mas Orfeu o processou por concorrência desleal, e Ártemis ameaçou abrir um parque de caças veganas para evitar piadas com touros dourados. Graças a você assisti Thor reclamando que o Mjölnir estava com delay nos raios e Loki vendendo NFTs de suas transformações. Presenciei Poah tentando explicar o conceito de runas para adolescentes vikings, que só queriam saber de MSN rúnico. Graças a você vi Anúbis tirar férias porque reclamaram que sua balança não era “inclusiva” e Osíris aceitar cartões telefônicos em oferendas funerárias. Sob sua influência, Bastet foi capturada num viral de memes enquanto Ammit fazia cosplay de justiceiro no tribunal egípcio. Graças a você quero pintar o seu nome em meu braço com luzes e neon o suficiente para competir com Vegas. Graças, minha gracinha! Graças a você, entendi que o Olimpo, o Valhala e o Duat são só camarotes diferentes de uma mesma festa intergalática, e nós somos as formiguinhas que elas adoram ver em movimento sem ritmo lá embaixo. Graças a você ficou mais fácil me encontrar. Somos um pouco melhores que formigas sem ritmo.

Vi você, jovem, escrevendo o meu nome em seu braço com canetinha.
Sempre faltando um S.
Tornou a escola menos insuportável, agradeço a paisagem e... pardon.
Aliás, Sabrina, morreremos nos devendo.


(Cássio D. Versus, Cartas Para o Passado, 2005)

16 de jan. de 2025

Pseudônimo Masculino: Ellis Bell


“Eu chorava tanto por ele como por ela; 
às vezes temos compaixão por criaturas 
que não têm esse sentimento nem por elas próprias, 
nem por outras pessoas.” 

—  Emily Brontë / O Morro dos Ventos Uivantes

(1797 - 1851)


"O começo é sempre hoje." 

(Mary Shelley)

12 de jan. de 2025

Matrimônio (Resumo do Teste)


Ah, o casamento. A venerada instituição que, ao mesmo tempo, é a cova rasa do amor espontâneo e a pedra angular das convenções sociais. Não há erro maior do que confundir a assinatura de um contrato jurídico com o ímpeto visceral do amor verdadeiro. Enquanto o amor é efêmero, delirante e gloriosamente anárquico, o casamento é burocrático, estático e minuciosamente regulado por códigos civis e tabelas de Excel conjugal.

O casamento é uma máquina de moer almas que transforma amantes ardentes em carcereiros emocionais, presos em um ciclo interminável de cobranças sobre o uso do banheiro e a divisão do detergente. Manuel Bandeira talvez chamasse isso de "um retrato emoldurado do desencanto".

Se o amor é o vôo de Ícaro, o casamento é o teto baixo da sala onde ele inevitavelmente se esborracha. A paixão — esse fogo fátuo que devora o ar da existência — não sobrevive ao enclausuramento das rotinas matrimoniais. É o rito que converte o "eu te amo" em um "quem vai buscar o pão hoje?" com entonação passivo-agressiva.

E as falhas? Fatais.

  • Idealização do Outro: No altar, não se casa com a pessoa real, mas com a projeção delirante de um ideal que o cotidiano tem a missão de assassinar lentamente.
  • Monotonia Prosaica: Uma vez consumado, o casamento tende a transformar o desejo em hábito e o entusiasmo em obrigação. O amor não é vencido pelo ódio, mas pela exaustiva familiaridade.
  • Ilusão da Exclusividade: Nada mais ingênuo do que acreditar que a exclusividade sexual ou emocional seja intrínseca à convivência forçada de décadas. A monogamia perpétua é uma das maiores mentiras do romantismo.

O casamento é "uma eterna segunda-feira vestida de domingo". Acabo concluindo que, em muitos casos, o casamento apenas oficializa uma relação que já estava condenada — transformando amantes eventuais em sócios de uma empresa que inevitavelmente falirá.

O amor, para florescer e fluir, exige caos, liberdade e mistério. O casamento, com suas leis e listas de tarefas, é um antídoto fatal para isso, com filhos, mais vítimas. Amar é uma revolução espontânea; o casamento, um tratado de paz assinado sob coação.


(Cássio D. Versus / 2006 Matéria PTBR)

9 de jan. de 2025

Oração Para O Altíssimo


Oh, Altíssimo, que sondas os corações e pesas as intenções nas balanças da eternidade, suplico-te com toda a humildade que desvincules minha alma das sombras do passado, de seus tentáculos insidiosos que tentam profanar o presente e minar o futuro. Que nenhum eco de erros outrora cometidos, nenhuma cicatriz de decisões precipitadas, tenha poder de se infiltrar em minha existência, ou na vida daqueles que tanto amo e prezo.

Peço-Te ainda, Pai Celestial, que derrames a luz do perdão sobre aqueles a quem, consciente ou inconscientemente, feri com minhas ações ou omissões. Se lhes for difícil conceder-me esta absolvição, que eu jamais me curve ao orgulho ou à necessidade de reciprocidade, mas os ame com o mais puro amor, desprovido de expectativas e livre de grilhões emocionais.

Ensina-me, Senhor, que o amor verdadeiro é aquele que se mantém intocado, mesmo quando não é correspondido; e que, na profundidade de nossas emoções, até mesmo o ódio, se nutrido por ignorância e não pela verdade, pode ser porta aberta para enganosos deuses das trevas. Guarda-me de tais armadilhas espirituais, pois desejo caminhar sob Tua luz inefável, guiado apenas pela Tua infinita sabedoria.

Purifica-me, Criador Supremo, para que minha oração seja qual incenso santo, subindo ao Teu altar sem mácula ou resistência. Que as conexões forjadas pelo Teu amor sejam renovadas, e as correntes do rancor ou da culpa dissolvam-se na vastidão do Teu perdão.

Amém.


(Cássio D. Versus)