18 de nov. de 2025

Me Disseram Ontem


“Transmitir a Verdade é seguir o caminho do amor.” - uma daquelas frases que soam elevadas demais para serem questionadas, mas que desabam como castelos de areia sob a maré do pensamento crítico Vamos começar por onde dói: "a Verdade". Assim, com V maiúsculo, como se existisse uma só, pura, intocada, esperando por corações nobres para ser entregue aos outros como quem distribui pão quente aos famintos. Só que a Verdade (se é que existe) não é uma pomba branca. É mais como um corvo: suja, inquietante, às vezes carregando pedaços de carne pútrida de outras verdades.

“Transmitir a Verdade” sugere que você a possui, que a compreendeu em sua completude. Uma posição arrogante disfarçada de virtude. Afinal, quem acredita ter a Verdade costuma, na prática, ter apenas uma narrativa bem polida pela sua experiência pessoal, ideologia, fé ou vaidade intelectual. Agora, o mais curioso é atrelar isso ao “caminho do amor”. Amor de quem? Amor romântico? Amor platônico? Amor próprio? Ou aquele amor cristão abstrato e genérico que serve pra tudo, mas não resolve nada? Muitas vezes, transmitir a chamada “verdade” é um ato de guerra - não de afeto. Amar, por sua vez, exige silêncio, escuta, dúvida - três inimigos mortais da ideia de verdade absoluta.

Na prática, quem jura transmitir a verdade por amor, frequentemente está impondo convicções pessoais em nome de um bem que o outro sequer pediu. E o mais cruel: pode fazer isso sorrindo, com ternura, enquanto sufoca lentamente a liberdade alheia. Talvez o mais honesto seria dizer:

“A Verdade que você transmite pode ser só o eco da sua vaidade
e o amor, um disfarce para o controle.”

Agora, deixe-me refletir:

E se o verdadeiro amor fosse justamente não dizer a sua verdade, 
mas suportar a do outro em silêncio?


(D. Versus)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Uive à vontade...