11 de nov. de 2025

pensamentos clichês de uma mente comum


A velha máxima piedosa: "Façamos com os outros aquilo que gostaríamos que fizessem para a gente." Primeiro, esta baboseira parte de uma presunção narcísica: a de que o nosso desejo é universalmente benéfico. Como se o que queremos para nós fosse, por algum milagre ético, o que todos desejariam também. Mas quem disse que nossos anseios são nobres? E se o que eu quero é ser deixado em paz, mas o outro anseia por proximidade? E se eu gosto de silêncio, mas o outro implora por barulho? A empatia aqui é preguiçosa: não é sobre entender o outro, mas sobre projetar meu mundo interno no corpo alheio. Trata-se, na prática, de uma colonização emocional.

Além disso, essa frase ignora o abismo da alteridade. O outro não é um espelho - é um estranho, cheio de códigos, traumas, vontades e distorções que não cabem no nosso molde de moral customizado. Agir com base no que EU gostaria não é bondade - é vaidade disfarçada de virtude. Em termos filosóficos, trata-se de uma falácia empática: confunde equidade com espelhamento. A jogada verdadeira começa onde eu reconheço que o outro pode querer exatamente o oposto do que me agrada - e ainda assim merece consideração. Qualquer coisa diferente disso é uma moral de almanaque, pronta pra enfeitar o discurso dos que se dizem justos enquanto pisam com suavidade no que ignoram.

No fim, talvez devêssemos rasurar a frase e reescrevê-la:
"Façamos com os outros o que eles imploram — não o que nos conforta."

E aí, a pergunta que fica é: Você tem coragem de perguntar ao outro o que ele realmente quer? Ou prefere continuar amando como quem oferece flores a um alérgico - com boas intenções e nenhum entendimento? Ah, o clássico veneno açucarado da moralidade: “Amar ao próximo como a si mesmo.” Uma das frases mais citadas e menos compreendidas da história humana - justamente porque se baseia numa ficção emocional digna de roteiristas em crise de fé. Primeiro: quem, em sã consciência, ama a si mesmo? A frase parte da pressuposição de que o amor-próprio é uma constante saudável e existente em todos, quando, na realidade, boa parte da humanidade mal se tolera no espelho. Fica mais fácil se olhar numa tela e deslizar os filtros. Se amar ao próximo na mesma medida do amor que se tem por si é o critério, então prepare-se para relações recheadas de autossabotagem, culpa e rejeição velada. E tem mais: o mandamento ainda pressupõe que o “próximo” é um ente simpático, um semelhante digno. Mas o próximo raramente é um amigo: é o vizinho barulhento, o colega manipulador, o estranho que odeia tudo o que você aparenta representar. Amar esse “próximo” exige um esforço que beira a mutilação interna, especialmente quando seu amor-próprio já vem dilacerado.

E o que é amar a si mesmo, afinal? É se mimar? Se disciplinar? Se proteger da dor ou se permitir senti-la? Essa equação mal formulada joga a responsabilidade do afeto em cima de um conceito escorregadio e mal resolvido. Pior: transforma o amor em obrigação moral, não em encontro genuíno. A verdade nua e crua é que essa frase serve mais para alimentar a culpa dos que não conseguem amar (nem o outro, nem a si), do que para guiar algum tipo de iluminação relacional. É um idealismo emocional vendido como bússola (quando, na prática, é um labirinto metódico).

Então talvez seja mais honesto dizer:
“Aprenda a nadar em si antes de tentar salvar alguém do naufrágio.”
Sei lá. Será que o amor é mesmo a união de mundos ou apenas um instinto
que romantizamos por pavor do abandono? Pode o medo gerar bons frutos?

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