"Adoraria ter os lábios fatais de Harlow nos anos 30." Ela não conseguia conversar sem entregar centenas de tesouros culturais e poesias espontâneas aparentando versos soltos a Zéfiro, Austro, Ponente, Tramontana e sabe-se lá quantos/quem mais (me sentia incluído como um pequeno tornado que se formava em alguma esquina da fascinação). Talento nato para interpretar amantes que causam vícios emocionais, apesar de hilariante e assustadoramente despojada nas raras vezes que costumava demonstrar humor de forma calculada em ocasiões convenientes. Me deu um beijo como quem fazia uma aliança em relação aos conselhos que seu espírito havia me concedido durante a agitação daquela madrugada. "Você precisa se comportar a partir de agora", "Seu Criado, Obrigado" comentei fazendo referência a Jean citada mais cedo. "Mas sério, menino morcego, facilite ou o seu tal 'equlíbrio' será jogado em cima de sua cabeça como um Antonov pelos deuses tão pacientes que tu julga serem irremediavelmente severos." Queria vê-la com aquele vestidinho de seda proibida, eu poderia vestir um Robert Taylor aproveitando os cabelos curtos. "Do it. I like it." De onde é essa cena? Tenho certeza que era Jean Harlow com o texto. "Seja sério. O circo já queimou, a tinta e os figurinos derreteram, saia da fumaça e perceba tua nova pele." Coloquei um pequeno calendário ao lado do colchão, na parede, junto de Margot e Elisha, como pediram. Estou riscando os dias, criando sutis planos para curtos períodos, por pior que me pareça a idéia. Sou decepcionante como planejador.
- Você ficaria chocado se eu vestisse algo mais confortável?
"Ela passou de loira para ruiva em 32, mesmo ano que casou co'um produtor da MGM responsável por sua contratação, e diferente do que diziam na época, sempre gostei de suas formas, mesmo sabendo que eram produtos de seu ofício que envolvia cinema, teatro e propaganda no geral. A famosa prostituição gourmet. Sex symbol e comediante. Só perdia na popularidade para Carole Lombard. Ela e Clark Gable formavam uma dupla invejável digna de farta bilheteria. "Red Headed Woman" era o meu predileto até então, mas ela adorava exaltar "Red Dust" e "Libeled Lady". "Jean Harlow era atraída por figuras paternas e de intelecto à mostra. Paul Bern era 22 anos mais velho, tentou ser escritor diversas vezes. Se matou dois meses depois do casamento. Imagine a pobre Harlow. Sinto certa familiaridade com ela." disse enquanto divagava com olhares vazios e eu lembrava de Bárbara Boni. Continuou com o assunto, "O estúdio tentou abafar o escândalo mas logo ficou-se sabendo que ele era homossexual e impotente com sua esposa. Jean casou novamente um ano depois de viúva com um diretor de fotografia, como o anterior, velho e inteligente. Desta vez seis meses de aliança. O terceiro marido foi William Powell, famosinho por 'Reckless' de 35. O interessante é que este era ex de sua rival Carole Lombardi. Viviam aos golpes e amassos, tanto dentro quanto fora de casa, em público. Entre suas marcantes desilusões amorosas escreveu um romance erótico 'Today is Tonight', sugestivo, não?" sorriu, e eu entendendo melhor sua admiração por Harlow. A Metro comprou os direitos da obra tanto quanto os direitos de adaptação cinematográfica, na tentativa de resguardar a reputação da 'bonequinha' deles. Já haviam feito isso com seu início de carreira de modelo, assim como sumiram com seus ensaios fotográficos" - nua, adoraria uma cópia. O divórcio com Powell a desestruturou seu emocional afetando completamente o físico, teve infecção nos rins, possíveis complicações devido a um aborto mal feito. Apesar de ter sido internada teve seu tratamento médico interrompido pela mãe devota a Ciência de Cristo e proíbia o uso de remédios, faleceu de infecção urinária, foi o que mais li, há muitos boatos sobre o caso... aliás, está aí uma seita que poderiam usar no lugar dos ratos de laboratório." - não sei se ri pelo comentário sarcástico, pela opinião exposta desse jeitinho inusitado, ou devido a cerveja preta esquentando no meu copo pois estava sem a devida confiança de pedir para trocar por uma normal. E lá estava, minha mente sendo levada a essa Vênus Platinada (contraponto, descobri depois, da Vênus Loura, Marlene Dietrich).
(Cássio D. Versus, 2017)
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