26 de mar. de 2011

Ordem


Não sei o que escreverei, nunca soube.
Escrevo por encargo, e tenho ignorado
quem ordeno o escrito, quem lerá estas palavras.
Uma mão me dita, cega,
quanto tenho de pagar. Por trás
de mim mesmo, um olho manco, ou mudo
ou sem resposta, dá forma
a minha angústia. O que importa
é um ritmo. Tu te fixarás apenas
no acento exato, na sílaba
sexta, a adônica, sibilante, ou a sáfica,
a heróica, nas letras desnudas
palatais. E o mundo, então?

Uma gardênia subterrânea se derrama
na página, e seu perfume delineia
no poema um estranho marfim,
com sangue e unhas. O conceito
se funde agora em uma única e larga
lenta frase que destrói
o olho seco que me olha.

Escrevo porque escrevo, por me dá ganas.
Mas ganha-me o mundo e muitos
mortos se adensam em minha mão.
Para eles escrevo, embora nunca
o saibam? Para eles me dito
quanto hei de escrever? Um mundo
silencioso corrige ou emenda
minhas palavras. Diz-me: bem,
não apagues, acrescento aqui não apenas
um adjetivo, mas os ossos,
a garganta despida, o continente,
amargo em que habitas, este
áspero tempo em que vives.

E em certas ocasiões obedeço.


(Animal de Silêncios, Jaime Labastida)

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