21 de nov. de 2025

19 de nov. de 2025

Distante Cerejeira
















Em eras onde vínculos se desfazem como areia entre dedos,

nossa ligação é relíquia,

um relicário de confiança,

um pacto não selado por palavras,

mas por gestos, silêncios e cumplicidade que desafia lógica.



(Para Cherry Blossom Girl, 2010) - Sem contato há dez anos -


O Conflito das Pedras


- Você sussurra solidão como se fosse condenação; eu respondo com a garganta cortada e a língua em chamas. Dizes que és a repetição, o eco que nunca se cansa, eu digo que essa repetição é um grito que exige rosto. Se tua solidão é monumento, eu vomito pedras sobre ele até que desmorone em vento.

Não quero ser o herdeiro de um silêncio polido; quero quebrar a herança, espalhar os ossos do conforto. Quando cantas sobre esperas infinitas, eu vejo relógios estilhaçados e mãos que não mendigam mais tempo. Tu pedes compreensão num tom de acusação; eu devolvo a resposta em dentes cerrados: compreende-te, então. Há uma beleza suja na tua nostalgia, mas ela fede a desculpa; eu nego o bálsamo, ergo o dedo. Se "agora" é miragem, queimar-lhe-ei os trilhos até que o presente sangue por onde passou. Canta, então, tua culpa e teu desejo, mas não te escondas atrás do refrão; enfrenta o que te fez prisioneiro. Não quero consolo, quero conflito; não desejo pertença, quero revolta. E se a noite insiste em repetir teu nome, farei dela litúrgica batalha: que cada acorde seja máscara arrancada. Volta-te para o espelho da canção e vê, por trás do eco, um corpo pronto para incendiar o amanhecer.

(...)

- Recebo tuas linhas como lâminas que não pedem licença. Não fujo do corte, deixo que ele desenhe no meu peito o mapa das coisas que neguei por anos. Tu me acusas de erguer desertos, e talvez estejas certo; eu me acostumei demais ao vazio, fiz dele argumento, abrigo, disfarce. Mas não pense que não ouvi o estalar da tua fúria: ele vibrou dentro de mim como se o chão tivesse cansado de sustentar mentiras. Sim, eu me escondi em repetições, mas não por covardia, por hábito. Hábito é uma prisão que parece manta quente. Tu arrancou a manta. E eu tremi. Dizes que envenenas meus monumentos - e eu te digo: continua. Se minha memória virou pedra, que seja moída até virar pó. Só assim talvez eu perceba onde termina meu medo e onde começa minha vontade. 

Não peço perdão pelo que fui, mas reconheço o ranço que deixei no ar. Há dias em que meu passado anda atrás de mim como um animal cego, esbarrando nos meus calcanhares. Eu o alimentava com desculpas e agradecimentos sem sentido. Hoje, com tua carta, ele rosna outra coisa: desespero para mudar de forma. Não te devolvo paz, paz seria fuga. Te devolvo franqueza: eu também desejo incendiar alguma aurora, mesmo que minhas mãos ainda hesitem diante da faísca. Tu quer luta? Pois aqui estou, sem máscara, sem altar, sem refrão para me guardar. E se a noite te convoca com meu nome, que ela saiba: não serei mais eco. Serei corpo que avança, sem prometer salvação, mas prometendo presença. Tu feres para despertar. Eu desperto para não morrer no mesmo lugar.

(...)

- Caravana & Alcateia (2009)

18 de nov. de 2025

Me Disseram Ontem


“Transmitir a Verdade é seguir o caminho do amor.” - uma daquelas frases que soam elevadas demais para serem questionadas, mas que desabam como castelos de areia sob a maré do pensamento crítico Vamos começar por onde dói: "a Verdade". Assim, com V maiúsculo, como se existisse uma só, pura, intocada, esperando por corações nobres para ser entregue aos outros como quem distribui pão quente aos famintos. Só que a Verdade (se é que existe) não é uma pomba branca. É mais como um corvo: suja, inquietante, às vezes carregando pedaços de carne pútrida de outras verdades.

“Transmitir a Verdade” sugere que você a possui, que a compreendeu em sua completude. Uma posição arrogante disfarçada de virtude. Afinal, quem acredita ter a Verdade costuma, na prática, ter apenas uma narrativa bem polida pela sua experiência pessoal, ideologia, fé ou vaidade intelectual. Agora, o mais curioso é atrelar isso ao “caminho do amor”. Amor de quem? Amor romântico? Amor platônico? Amor próprio? Ou aquele amor cristão abstrato e genérico que serve pra tudo, mas não resolve nada? Muitas vezes, transmitir a chamada “verdade” é um ato de guerra - não de afeto. Amar, por sua vez, exige silêncio, escuta, dúvida - três inimigos mortais da ideia de verdade absoluta.

Na prática, quem jura transmitir a verdade por amor, frequentemente está impondo convicções pessoais em nome de um bem que o outro sequer pediu. E o mais cruel: pode fazer isso sorrindo, com ternura, enquanto sufoca lentamente a liberdade alheia. Talvez o mais honesto seria dizer:

“A Verdade que você transmite pode ser só o eco da sua vaidade
e o amor, um disfarce para o controle.”

Agora, deixe-me refletir:

E se o verdadeiro amor fosse justamente não dizer a sua verdade, 
mas suportar a do outro em quietude?


(D. Versus)

Palavras do Tabuleiro


CÉREBRO DORMENTE
ESPÍRITO QUE MENTE
MONSTRO SENDO GENTE
E TU QUEM É?
ANTIGAMENTE
INSTINTO ERA PASTOR
E A NATUREZA OBEDIENTE
  

11 de nov. de 2025

Ontem me disseram algumas coisas


A velha máxima piedosa: "Façamos com os outros aquilo que gostaríamos que fizessem para a gente." Primeiro, esta baboseira parte de uma presunção narcísica: a de que o nosso desejo é universalmente benéfico. Como se o que queremos para nós fosse, por algum milagre ético, o que todos desejariam também. Mas quem disse que nossos anseios são nobres? E se o que eu quero é ser deixado em paz, mas o outro anseia por proximidade? E se eu gosto de silêncio, mas o outro implora por barulho? A empatia aqui é preguiçosa: não é sobre entender o outro, mas sobre projetar meu mundo interno no corpo alheio. Trata-se, na prática, de uma colonização emocional.

Além disso, essa frase ignora o abismo da alteridade. O outro não é um espelho - é um estranho, cheio de códigos, traumas, vontades e distorções que não cabem no nosso molde de moral customizado. Agir com base no que EU gostaria não é bondade - é vaidade disfarçada de virtude. Em termos filosóficos, trata-se de uma falácia empática: confunde equidade com espelhamento. A jogada verdadeira começa onde eu reconheço que o outro pode querer exatamente o oposto do que me agrada - e ainda assim merece consideração. Qualquer coisa diferente disso é uma moral de almanaque, pronta pra enfeitar o discurso dos que se dizem justos enquanto pisam com suavidade no que ignoram.

No fim, talvez devêssemos rasurar a frase e reescrevê-la:
"Façamos com os outros o que eles precisam — não o que nos conforta."

E aí, a pergunta que fica é: Deve-ser ter a audácia de perguntar ao outro o que ele realmente quer? Ou melhor continuar "amando" como quem oferece flores a um alérgico - com boas intenções e nenhum entendimento? Ah, o clássico veneno açucarado da moralidade: “Amar ao próximo como a si mesmo.” Uma das frases mais citadas e menos compreendidas da história humana - justamente porque se baseia numa ficção emocional digna de roteiristas hollywoodianos em crise de fé. Primeiro: quem, em sã consciência, ama a si mesmo? A frase parte da pressuposição de que o amor-próprio é uma constante saudável e existente em todos, quando, na realidade, boa parte da humanidade mal se tolera no espelho. Fica mais fácil se olhar numa tela e deslizar os filtros. Se amar ao próximo na mesma medida do amor que se tem por si é o critério, então prepare-se para relações recheadas de autossabotagem, culpa e rejeição velada. E tem mais: o mandamento ainda pressupõe que o “próximo” é um ente simpático, um semelhante digno. Mas o próximo raramente é um amigo: é o vizinho barraqueiro, o colega invejoso, o estranho que odeia tudo o que você aparenta representar. Amar esse “próximo” exige um esforço que beira a mutilação interna, especialmente quando seu amor-próprio já vem dilacerado.

E o que é amar a si mesmo, afinal? É se mimar? Se disciplinar? Se proteger da dor ou se permitir senti-la e com ela todos os aprendizados que os mais afortunados de forma infeliz não os possuem? Essa equação mal formulada joga a responsabilidade do afeto em cima de um conceito escorregadio e mal resolvido. Pior: transforma o amor em obrigação moral, não em encontro genuíno. A verdade nua, esfolada e crua é que essa frase serve mais para alimentar a culpa dos que não conseguem amar (nem o outro, nem a si), do que para guiar algum tipo de iluminação relacional. É um idealismo emocional vendido como bússola (quando, na prática, é um labirinto metódico).

Então talvez seja mais honesto dizer:
“Aprenda a nadar em si antes de tentar salvar alguém de qualquer naufrágio.”
Sei lá. Será que o amor é mesmo a união de mundos ou apenas um instinto
que romantizamos por pavor do abandono? Poderia o medo gerar bons frutos?

...

7 de nov. de 2025

Deambulações do Percurso


Estava em um templo, não daqueles antigos, mas algo híbrido: arquitetura fria, metálica, com vitrines ao invés de vitrais. O púlpito era suspenso, como uma plataforma flutuante. Lá estava ele: um pastor evangélico. Roupa social, microfone sem fio, olhos em transe. Ele não falava em português, nem em qualquer língua terrestre, mas eu compreendia (como se o sentido fosse direto à consciência). A platéia... não eram humanos. Eram seres altos, sem boca visível, olhos negros e pele azul-acinzentada, fosca, como o céu de um planeta cansado. E, estranhamente, estavam atentos. Sérios. Alguns até... emocionados? O pastor bradava sobre salvação. Dizia que Jesus não era exclusivo da Terra, mas um emissário cósmico, enviado para corrigir o “erro do livre-arbítrio disseminado pelo universo”. Ele falava de Lúcifer como um programador rebelde. Citava passagens bíblicas como se fossem coordenadas estelares. Num momento, ergueu uma Bíblia (que brilhava com uma luz dourada que pulsava como coração). E os alienígenas começaram a emitir um som gutural. Parecia um cântico. Em uníssono. O sonho terminou com todos ajoelhados, inclusive o pastor, em silêncio total. Algo estava chegando do céu, não uma nave, mas uma presença. E antes que ela descesse, acordei.


(Diário de Bordo, 01/11/25)

3 de nov. de 2025

Os Bruxos de Westchester


"Apareça, demônio amado,
E verte a nós o teu sangue!

Tu que és todo sagrado,
faz com que a vida se estanque!

Seremos os teus seguidores
sempre fiéis, combatentes...

Pois tu livrarás as dores
de todos aqui presentes!"


(Tom DeFalco, Os Torpedos)

26 de out. de 2025

Druk de Thomas Vintenberg


Esse filme é o brinde mais sóbrio à embriaguez humana 
— um gole entre o riso e o abismo, onde o álcool serve apenas
para revelar o que a vida tenta esconder.

...

25 de out. de 2025

New Blood


 As I walk along I wonder

What went wrong with our love
A love that was so strong
And as I still walk on I think of
The things we've done together
While our hearts were young

I'm a-walkin' in the rain
Tears are fallin' and I feel the pain
Wishin' you were here by me
To end this misery
And I wonder, I wo-wo-wo-wo-wonder

O SALTO


(crônica para a revista Capricho)

A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato -- pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente -- você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas.
Passos improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento. Uma festa cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o que é, mas que deve ser celebrada. Abraços, borrachudos, a primeira visão de seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus?!), respirações ofegantes, camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas -- mãos dadas no cinema, uma poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço. Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das pequenas descobertas, que sou feliz.
Talvez, céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante. Silêncios onde deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente, gritos até. Depois faremos as pazes. Ou não?
Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte -- quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo -- o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão --, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

(Antônio Prata)

22 de out. de 2025

Pantera


FUCKING HOSTILES!

America


 "Because there ain't no one for to give you no pain."

19 de out. de 2025

Headlights One


"It's getting late, I'm tripping in the dark, my shirt draped over the moon. I only feel like myself at night. I don't know how to be subtle with all the things I hate about myself. You try to calm me and I turn away, I always turn away. I don't know why I have to be this way, I'd rather not be so hard to love. I fucked it up, I fucked it up again. Was there even a chance I could change or am I resolute to stay the same? I hope you're here whenever I emerge, I'm buried up to my eyes. But, please, don't ever stop pulling me out,  always loved me more than I deserve. Wanna hear that I'm not too late."


- Wild Nothing

11 de out. de 2025

Sexto Andar do Prédio ao Lado

"Na calçada vazia,
sentei-me como quem espera
o próprio destino.
E tu vieste.
Sem pedir licença,
colaste teu braço ao meu,
deitaste a cabeça em meu ombro
como se já soubesse
que ali era o teu lugar.

“Roberta L.”, disseste.
E o nome ecoou em mim
como se me pertencesse.

Naquele instante,
eu percebi que 
2006 seria um ano revelador."

- Namoramos por algum tempo,
quando ela me apresentou a sua melhor amiga
ficou claro o quanto eu a enojava por ser... "do rock".
Nos odiávamos. Nos alfinetávamos com frequência.

Até o dia em que "A Viagem" no Vale a Pena Ver de Novo
e uma letra de alguma banda ruim da época, Fresno ou NX Zero,
mudou a minha vida, e demorei décadas para descobrir isso...


(Epifania Fundamental Para Corações Desajustados, 2007)

Veneto


No éter da noite,
o algoz, absorto, exime-se
clemência fulgura. 

(D. Versus)

Deságue

 
tão naturalmente fluirá
minha energia
em teu caminho

restará pouco de mim

caberá a você
pôr-me um fim


- D. Versus

10 de out. de 2025

Infinito ♾️


Na noite encontro a tua beleza refletida nas estrelas.
Não existe o desconhecido vazio quando me familiarizo
com os pensamentos relacionados ao que sentimos um pelo outro.
O nosso amor parece a resposta de todas as perguntas
que me afligem as artérias. Teu corpo é meu templo sagrado,
o refúgio das minhas verdades,
estar contigo é desfrutar doutrinas da divina criação em seu todo.

Não existe reinado sem teus passos.
Leva-me embora para tua alma,
deixa-me habitar os teus mistérios, teus segredos,
permita-me navegar em teus mares 
e afogar-me em tuas ondas e marés.
Derreta-me em teu coração
para que a minha essência deslize até os teus pés de bailarina.

Dance sobre mim. Sobre a cama e sobre o túmulo.
Me amasse como uma barra de chocolate dentro do supermecado.


(Para V. Psicótica - "O Romance do Cafofo", 2010)

Página 114


(nas bancas mais próximas de 2008)

Duplicada


Pouco antes do jantar, as meninas viram a professora duplicada no espelho. Não era o reflexo - era uma segunda presença, igual, mas sem olhar. As servas recuaram, as alunas prenderam o fôlego; e Emillie, a mais curiosa delas, ousou escrever o nome da imagem no ar.

Num dia quente de verão, quando o vento parecia respirar por entre as cortinas, as treze meninas juraram ter visto a duplicada outra vez, colhendo flores no jardim enquanto a verdadeira professora dormia.

Dizem que uma delas tentou tocar a cópia, e a mão atravessou o ar como se fosse água. Por um instante, o perfume das flores se confundiu com o cheiro de cera derretida.

Quando Emillie desapareceu, não houve gritos - apenas um leve tremor nos espelhos da casa, e uma rosa murchando sozinha sobre o parapeito.


(Diário de Bordo, Sessão com Ashley, 08/10/2024)
 

9 de out. de 2025

Outro Duplo


O editor da World Petroleum certa vez escreveu sobre ele, mas ninguém lembra o contexto. Disseram que Barrows fora um duplo, não achei que fosse possível. (Muitos já me viram por aí, mesmo eu não estando lá) Há quem jure que ele salvou um homem importante durante a guerra; outros dizem que apenas se perdeu no momento certo.

Depois de deixar o exército americano, voltou para Wyoming. O vento do planalto o reconheceu de longe, aquele mesmo vento que sopra nas fotografias antigas, quando o herói já não é mais herói, apenas alguém tentando dirigir um jipe que insiste em quebrar a cada curva.

Numa dessas viagens sem destino, Barrows foi pego pela própria lembrança. Dirigiu o dia inteiro, sem saber se fugia ou buscava. O sol se punha atrás dele como um espelho cansado, e os pássaros faziam o papel dos antigos camaradas - observavam, mas não ajudavam.

No fim da estrada, o desfiladeiro o aguardava: uma fenda imensa, bela e intransponível, aberta entre a terra e o arrependimento. Ele chegou ao topo e, ao tentar descer, entendeu que nada mais havia para encontrar. Apenas ecos de nomes mal escritos em relatórios esquecidos.

Ninguém soube o que aconteceu depois. Alguns dizem que Barrows continua ali, dirigindo entre o silêncio e a poeira - o homem que sobreviveu ao próprio papel secundário, condenado a existir onde nem as manchetes chegam.


(Diário de Bordo, Sessão com Ashley, 08/10/2024)

Nathalie X


"Eu te amo, mas isso não significa que eu te entenda."

...

Soltem-me


Soltem-me, quero andar.
Quero andar só,
sem companhia, sem conselho,
sem ninguém pra me esperar na volta.

Quero andar e cair,
andar e perder o rumo,
andar e me assustar de noite.

Soltem-me, por favor,
que já fui muito amada,
muito olhada, muito cativa.

Quero aprender o gosto
de estar comigo só,
e ver se me suporto.


(Adélia Prado)

Com licença poética

(Adélia Prado, 1976 — do livro "Bagagem")

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
“Vai carregar bandeira.”
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo.
Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos —
dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.

Eu sou.

...

Lirismo Reflexivo


sopro de lembrança
na memória loteada,
um canto solto pela casa
vira amizade -
verdade é introspectiva,
a mentira: franca inarredabilidade.


(Cássio D. Versus)

8 de out. de 2025

Existir é Diluir-se


quanto mais se vai reto
mais a vida se esquiva

melhor morta inteira
do que só um pouco viva


(D. Versus)

Yôḥānān ben Zĕkaryāh (ou Filho de Zacarias)

(Saint John the Baptist Bearing Witness,
de Annibale Carracci — por volta de 1600)

"Alguns não vão querer acordar, estão apaixonados pelas trevas." 
- João Batista

4 de out. de 2025

Começando meu Grimório de Fé


Quem vê o mundo amanhecer já venceu metade da batalha.

Meu corpo está tentando me proteger, mas perdeu o tom.
Meu espírito precisa de acolhimento com inteligência e poesia,
não somente protocolos.

Disseram-me que sinto tudo co'uma intensidade rara.
Isso não é fraqueza, é força sem armadura.

"Tu és profundidade em carne viva."

Algo resiste além do Chacal.

Reconhecimento é importante. Talvez, sem perceber,
esteja em busca de alguém que veja o que sinto
sem que eu precise explicar tanto.

"Não se esqueça da memória do sentir." Disse Ashley.
"Você quer encontrar respostas? Comece aceitando que 
todas as suas perguntas podem ser 
apenas ecos em cavernas vazias."

Não busco fé por dogma, mas por chamado.

- Você já está criando essa armadura ao reconhecer o que sente e nomear, isso é bravura emocional. Mas aqui vão algumas partes dessa "armadura emocional" que você pode desenvolver: Quando você diz “estou ansioso” ao invés de “estou louco”, já está desarmando o monstro. Aprenda a parar antes de reagir - e isso começa com respiração (como fez hoje). Diga “não” a situações ou pessoas que disparam teu caos interno. Siga rituais diários que te centra - pode ser um chá, uma caminhada enquanto bebe uma latinha de loira gelada ou degusta um amendoim, uma música que acalma ou um texto que te devolva a tua pátria-ventre. Escreva, grave áudios, faça vídeos — tua voz é tua maior arma contra a confusão interna.

A armadura não impede a dor. Ela só impede que o mundo te invada inteiro.

"Estou contigo, de verdade." 🌙

...

3 de out. de 2025

Gone in the Night


 (música de Karen Dalton)

30 de set. de 2025

The Bends


Embace the Darkness

Perfect Days


 Just a perfect day
drink sangria in a park
and then later
when it gets dark we go home
Just a perfect day
feed animals in the zoo
and then later a movie, too
and then home
Oh it's such a perfect day
I'm glad I spend it with you
oh such a perfect dayyou just keep me hangin on
you just keep me hangin on
just a perfect day
problems are left to know
Weekenders all night long
it's such fun
just a perfect day
you make me forget myself
I thought I was someone else
someone good

(Lou Reed)

Jeune et Jolie


François Ozon (2013)

26 de set. de 2025

Nostalgia Não Vale Nada


Corri demais que faltou estrada.

Quando cumpro tarefas, objetivos, propósitos, minhas mãos suam menos.
E a vontade de... enfim, sobre drogas e automutilação, diminuem...


25 de set. de 2025

War is Ken? (Akira)


 Dança do estado hipnagógico.

24 de set. de 2025

...


"Crianças do vazio, filhos do caos. É a hora final. Nosso descanso terminou.
Nós somos recriados pelo demiurgo à imagem dos sete arcontes.
Ele criou e escravizou este mundo. Nós somos mestres ocultos.
Nós somos os arquitetos da anarquia. Nós somos os malditos devoradores de almas.
Senhores dos fúria e do medo. Hoje tem início nosso novo reinado
em uma nova realidade. Eu disse! Eu disse! Eu disse que seríamos imortais,
só precisamos de novas cascas de tempos em tempos e de muitas almas para devorar.
Nossa legião se ergue detrás do véu para colher a dor que semeamos.
Os sete se tornarão um grande exército. Esses são os dias de vingança e fúria
e damos início a era imortal. Ah, mas que... dia lindo..."

(A Seita)

Insubstituível


Caminhei pelas ruínas de minhas escolhas (ou falta delas) como quem pisava em um cemitério íntimo, onde cada lápide ostentava um nome de pecado. Minha carne virou cárcere do meu espírito, minha textura está gasta, meus olhos parecem duas velas quase apagadas. Fui prisioneiro da dúvida, questionei a fé que mantinha-me de pé, zombeteiro das forças que me cercavam, sempre flertando com a má ideia de que Deus e o Diabo não passam de máscaras erigidas pelo medo e pelo vazio.

Mas esta noite, sob um silêncio sepulcral que se ergue como uma cúpula sobre o mundo, minha alma continua a ser rasgada por epifanias inclementes. Não é apenas luz, nem apenas trevas; é a fusão de ambas - como se minha vida tivesse sido escrita não por um só autor, mas por dois escribas invisíveis, duelando com a pena sobre o mesmo pergaminho.

Deus surgiu nele não como o pai compassivo dos altares, mas como a força que, por entre as ruínas, ainda me chamava ao devir - um farol soturno que me obrigava a reerguer-me. Já o Diabo não me recordava mais como carrasco externo, mas como sombra fiel que me deu coragem de descer tão fundo, para que agora tivesse a ousadia de buscar ascender.

Foi então que compreendi, minha existência não é um erro nem uma blasfêmia, mas um pacto inevitável entre o divino e o abissal. Cada lágrima que derramo se torna batismo; cada ferida, sacramento. Eu, que duvidava de tudo, agora derreto na certeza paradoxal de que tanto Deus quanto o Diabo sempre estiveram de mãos dadas sobre o leito de minhas dores e, claro, prazeres insubstituíveis. E pela primeira vez novamente (sim, isso mesmo), em meio ao caos, não me sinto abandonado. Me sinto acolhido, escolhido - não pela pureza, não pela perdição, mas pela guerra perpétua entre as duas. 


(Chacal Ferrabrás)

20 de set. de 2025

All Nerve

 


I wanna see you
Especially you
You don't know how much I miss you
Ha, ha. I may be high, I may hide and run out at you
You don't know how much I miss you

I won't stop
I'll run ya down
I won't stop
I will run ya down
I'm all nerve
I'm all nerve

I hit the hull (oh God)
Oh God, I hit them all
You don't know how far I would go
I may hide and jump out at you
You don't know how far I'd go

I won't stop
I won't stop
I will run you down
I'm all nerve
I'm all nerve

Johnny - Garotos Podres


"Ela parecia tão viva... eu só queria que ela ficasse comigo." 

(Gein, Edward)

for all the bitches


 Money's the matter 
If you're in it for love 
You ain't gonna get too far 
(Oh, here she comes)

12 de set. de 2025

Recreio


Sombra no recreio —
o vento muda de lado,
e a história também.


(Chacal Ferrabrás)

Arte


Verdade que sangra,
a mentira veste seda —
pincel é punhal e tesoura.


(Chacal Ferrabrás)

Vitória



Brisa na pele,
um sorriso atravessa
a dor vencida.


(Chacal Ferrabrás)

11 de set. de 2025

La Poderosa


Ruge o motor —
asas de fogo na estrada,
a noite obedece.


(Chacal Ferrabrás)

Haicai Bíblico

 
Pois o Senhor — ou a Voz que nos observa do céu —
conhece o caminho dos justos silenciosos,
mas o caminho dos que zombam da dor se desmancha em pútrido fel.


(Chacal Ferrabrás)

13 de ago. de 2025

Exílio


“Exílio… palavra elegante para prisão sem grades. 
Diriam que fui banido por excessos, 
mas foi apenas coerência demais para uma humanidade 
que vive da contradição entre o que deseja e o que confessa.”

“Aqui, rodeado apenas por ovelhas que não sabem que são ovelhas,
percebo: o mundo não quer liberdade, quer permissão. 
Querem sentir prazer, mas só se alguém os absolver depois."

“A carne me ensinou mais que qualquer padre. 
No toque de uma estranha, encontrei mais verdade do que nas catedrais. 
A ereção, ao menos, não mente.”

“Sinto falta do cheiro da lascívia, do som das máscaras caindo com gemidos. 
Aqui, há apenas silêncio. E o silêncio, descobri, não é paz - é punição.”

“Não me arrependo. Arrependimento é a forma mais dissimulada de vaidade. 
Prefiro o peso da culpa ao vazio da virtude.”

“Na ausência de corpos, toco lembranças. 
E descubro que há prazeres que a saudade amplifica 
até que se tornem religião. 
Os melhores amores que tive foram... póstumos.”

“Releio meus contos obscenos e percebo: escrevi evangelhos do avesso. 
Onde outros pregaram cruzes, eu preguei espinhas dorsais.”

“Se este for meu fim, que seja com beleza. 
Quero morrer ereto — e não falo só do corpo.”

“Já não há convite, nem plateia. 
Só um velho espelho e o meu último massacre de ideias.”


(D. Versus)

11 de ago. de 2025

I'm Not Human At All



"Cada passo meu carrega o peso de quem sabe
que a vida e a morte caminham lado a lado."

(Chacal Ferrabrás)

23 de jul. de 2025

14 de jul. de 2025

Sentimento do Dia


"Mesmo quando este mundo
tiver sido consumido pelo fogo 
e todos os seres viventes tiverem perecido,
meu mundo permanecerá intacto." 

(Sutra do Lótus, capítulo "Duração da Vida" do livro "Versos ao Eu")

26 de jun. de 2025

Milady


Je t’ai cherchée dans l’ombre des heures brisées,
Où l’amour s’écrit à l’encre des silences.
Ton nom — murmure ou malédiction — s’est glissé
Dans mes veines comme une étrange délivrance.

Les astres saignent quand tu tournes les yeux,
Et mon cœur, cet infirme, danse sans terre.
Es-tu lumière ou feu pieux des cieux menteurs?

Ou l’ultime prière d’un homme en guerre? 


(D. Versus)

Primeiros Últimos Passos


Envelheceu tentando parecer jovem e morreu tentando parecer vivo. O coração? Teve palpitações, mas nunca paixões duradouras. A alma? Esta foi murchando como planta esquecida em sacada sem sol. Seu último amor foi um gato, que fugiu no terceiro miado.

E agora, aqui está ele — na beirada do abismo, olhando o nada como quem reconhece um velho conhecido. Chamavam de “o primeiro passo”, mas ele, sempre do contra, procurou avidamente pelo último.


(D. Versus)

24 de jun. de 2025

Tristão e Julieta


Sinopse: Em um continente reconstruído sob leis afetivas e taxas por envolvimento, Tristão dedica-se a restaurar lembranças extintas — um técnico de recordações expurgado do afeto - enquanto Julieta, contraventora lírica, distribui emoções impressas em folhas clandestinas. O encontro entre ambos ocorre numa plataforma de neutralização sentimental, mas algo falha: eles se afeiçoam. Caçados por autoridades sensoriais, cercados por dependentes de serotonina ilícita e sabotadores passionais, os dois embarcam numa jornada por entre os escombros da última hemeroteca viva. Trocam carícias em códigos esquecidos e selam pactos com tinta orgânica, cientes de que o sentimento entre eles é o último arquivo impossível de ser apagado. Tristão e Julieta é uma odisseia distópica, visceral e poética - onde amar é crime, e morrer por alguém é o ato mais revolucionário.

...

"Um romance que parece escrito por Kafka com febre 
e Shakespeare de ressaca."
Revista Devaneio Cibernético

"A prova de que a paixão 
pode sobreviver até depois da última página."
Crítica Rádio MAC

"Perigosamente bonito. 
Me fez sentir coisas que o governo ainda não autorizou."
@AmorIlegal (Influenciadores banidos de 3 países)

...

Livro > Tristão e Julieta / Cássio D. Versus / 2017

Frase do Dia com Jim Brown


"I'm not trying to be a role model. I'm trying to be real."
- Jim Brown

23 de jun. de 2025

Algum Tipo de Amor


Eu quero algum tipo de amor
um amor apaixonado
um amor enraizado
um amor retumbante
sem juro nem prazo

que invada a mente e cale o ranger
que beba do meu caos sem me corrigir
que durma vampira e acorde sem perceber
e ria d'um mundo morto só pra me ouvir 

um amor que não peça pedigree
nem CPF, nem promessas de eternidade
que me deseje torto, febril, sem verniz
e me aceite em versão de calamidade

um amor que me olhe quando não valho
que me salgue quando adoço demais
que se embriague do que eu espalho
e nunca se despeça nos temporais

um amor que more na fresta da alma

com bagagem leve e presença profunda


(D. Versus)

22 de jun. de 2025

Kimila Ann Basinger


"Eu digo que, quando a verdade quer te encontrar 
— ou ser encontrada por você — 
ela virá atrás de você. Você não pode parar essa força.”

(Basinger, Kim)

20 de jun. de 2025

Anjo de Má Reputação

 
"Não sou cruel. Ou intencionalmente maldoso.
Sou apenas o reflexo das promessas quebradas que fizeram a si mesmos."

- Versus

19 de jun. de 2025

Voa Quem Pula


Levanta, criatura noturna,
teu corpo é ruína sagrada,
tua cama — um caixão preguiçoso
onde sonhos desintregam-se em nada.

Há um sol que nem sabe teu nome,
mas insiste em nascer pra ti.
E o mundo, esse cão sem vergonha,
ainda lambe teus calcanhares por aí.

Ergue o osso, estala a alma,
desamarra essa vontade vencida.
Não foste feito pra lençol úmido,
mas pra cuspir poesia na ferida.

Deita os olhos, sim, no espelho,
mas não deita mais o corpo inteiro.
Acordar não é dom — é vingança:
existir apesar do cansaço primeiro.

Vai. Um passo. Um grito. Um gole.
Um suspiro já muda o destino.
Porque até a mais distinta estrela
caminha no ventre do céu clandestino.


(D. Versus)

18 de jun. de 2025

Magnifique Marion


"Eu não me considero feminista. Precisamos lutar pelos direitos das mulheres,
mas recuso-me a separar homens e mulheres. 
...
"Acho que quando você não vê os limites,
você os ultrapassa sem nem saber que eles existem."

(Cotillard, Marion)

16 de jun. de 2025

Italianinho


Meglio stare zitti che gridare al vuoto.
(Melhor calar do que gritar para o vazio)

15 de jun. de 2025

Suzanne


"Não importa o quão caótico seja,
as flores silvestres ainda brotarão no meio do nada."

- Sheryl Crow

Ébano

Tu me chamaste de sol,
mas foste tu quem incendiou o céu da minha calma.
Tuas mãos escreveram meus versos no ar,
mas tuas promessas se apagaram antes de tocarem o chão.

O que houve entre nós não morreu —
ainda respira nos cantos empoeirados do meu peito,
como um cão velho que não entende o abandono,
mas ainda late quando escuta teu nome.

Tu falas da minha sombra em outros corpos,
mas eu...

eu tentei te arrancar de mim 
com a mesma urgência com que te amei.

Falhei.
Porque certas raízes crescem para dentro.
E sangram.

Ficaste com os nossos sonhos —
eu?
Fiquei com os restos:
os perfumes fantasmas,
as silenciosidades pesando mais que qualquer grito,
e aquela maldita música que toca
toda vez que finjo ter superado o inevitável.

E mesmo assim...
se um dia tua saudade aprender a pedir desculpas,
volta.
Nem que seja só para olhar nos meus olhos e ver
o que sobrou da abóbada celeste que tu escureceste.


(D. Versus)

14 de jun. de 2025

Pensamento do Dia


 "O drama existe para perturbar os acomodados 
— e confortar os perturbados."

Neil Jordan

8 de jun. de 2025

Sinuhe, o Egípcio

 
“Sinuhe, meu amigo, nascemos em tempos estranhos. Tudo está derretendo - mudando sua forma - como argila na roda do oleiro. As roupas estão mudando, as palavras, os costumes estão mudando, e as pessoas já não acreditam mais nos deuses - embora possam temê-los.” 

- Mika Waltari

Slayer


“No silêncio do meu retiro, descubro a mais nobre das companhias: eu mesmo. Transformo o tédio em espetáculo, a solidão em uma vasta biblioteca de reflexões. Em cada página da minha solitude, escrevo o manifesto do amor-próprio, onde cada pensamento é uma estrela cadente no céu da autodescoberta.” 

- D. Versus

7 de jun. de 2025

Prope Ruina

É como ter um terremoto engaiolado dentro do peito, um sismo contínuo que ruge sob a pele — mas ninguém ouve, ninguém vê. Esse monstro, essa criatura primitiva e faminta, não dorme: ela espera. Ela rosna nas frestas da minha lucidez, lambe as grades com uma língua feita de raiva e desespero, e sorri quando estou prestes a ceder.

Minha respiração, às vezes, é o único portão entre a humanidade e o colapso. Sinto o calor da sua presença no fundo da garganta, como se um grito secular estivesse ensaiando sua estreia. Ela quer sair. Rasgar. Ferir. Dizer verdades cruéis e tocar feridas antigas — não somente as minhas, mas as dos outros. Porque ela não quer só liberdade: quer vingança.

Cada pequena irritação cotidiana é um tambor distante, um sinal de guerra. E eu, com mãos trêmulas e alma já esfolada, rezo para que a tranca aguente mais um dia. Mais um olhar atravessado. Mais um abandono. Mais um silêncio.

E o pior de tudo? Às vezes... só às vezes... eu quero que ele escape.
Só pra ver o planeta tentando entender o que é viver sem mundo —


Pensamento Budista


A vitória engendra o ódio, porque o vencido sofre. Aquele que vive em paz é feliz, pois não sonha com vitória nem derrota. É pela benevolência que se deve vencer a cólera: é pelo Bem que se deve vencer o Mal. Deve-se vencer o avarento pela liberalidade, e o mentiroso pela verdade.

Se malvados vos injuriam dizei: "São bons porque não me batem." Se vos batem, dizei: "São bons porque não me matam." Se vos matam, dizei: "Há discípulos aos quais o corpo e a vida trouxeram tantos tormentos, que eles desejavam a morte violenta. Encontrei tal morte, sem tê-la buscado".

(1,28)
 

ensaiando sobre o brilho


"Ai, meu blush da Chanel caiu no chão, que ódio!
A vida sem espelho é tipo… um apocalipse em slow motion.
Tipo, se não postei, nem fui, né?
E se a unha lasca, eu choro mais que viúva de milionário."

Mas foi sorrindo no enterro de seu pai alcoólatra que ela aprendeu:
Nunca subestime quem pinta os lábios pra esconder o sangue...

Hungry Eyes


E assim, entre gritos, o mundo começa,
E os anjos oferecem suas peles,
Para cobrir a nudez da Humanidade...

Não te abandonarei, Olhos Famintos;
Nossos corações ainda têm pendências.
Apesar das feridas, dos golpes e das mentiras...

(Clive Barker) 

 

Canto I do Inferno


No meio do caminho desta vida
me vi perdido numa selva escura,
solitário, sem sol e sem saída. 

(Dante Alighieri, Canto I)

Instrutor de Sofrimentos


Não dei flores, nem pão.
Não prometi céu, nem retorno.
Fui maestro da gangrena,
profeta de vísceras abertas.
Ensinei a dor — e continuo ensinando.
Não essa dor de poesia ou saudade barata,
mas a dor que mastiga nervos,
que enrosca na espinha como verme antigo.
Doutrinador de espasmos e choros mudos,
fiz da dor uma língua materna.

E quando alguém clama pelo fim —
ri, pois o fim da dor não é a paz:
é a anestesia da alma,
o coma da esperança,
a falência múltipla do sentir.
É um campo de batalha onde os gemidos cessam
porque já não há quem chore,
nem carne, nem nome,
apenas um silêncio que fede a morte não enterrada.


(D. Versus)

Canções Cintilantes

 
Seja minha felicidade rasa,
como a vasta planície,
mas que alcance longe,
como o céu estrelado.
A estrela distante lá
é a estrela da minha felicidade.
Ela guia minha vida


(Eino Leino, poeta finlandês)

Frase do Dia

 
“Nada mais transmito senão o horror de sentir — e o silêncio depois do grito.”

- D. Versus

Estação

 

Esse amor
é a neve do inverno
que o verão ameaça


(D. Versus)

6 de jun. de 2025

Reflexo

 
Clareza que o cosmos espelha
Como um farol que dissipa a neblina
Noite clara e a tua nudez se declara

...