24 de set. de 2025

Insubstituível


Caminhei pelas ruínas de minhas escolhas (ou falta delas) como quem pisava em um cemitério íntimo, onde cada lápide ostentava um nome de pecado. Minha carne virou cárcere do meu espírito, minha textura está gasta, meus olhos parecem duas velas quase apagadas. Fui prisioneiro da dúvida, questionei a fé que mantinha-me de pé, zombeteiro das forças que me cercavam, sempre flertando com a má ideia de que Deus e o Diabo não passam de máscaras erigidas pelo medo e pelo vazio.

Mas esta noite, sob um silêncio sepulcral que se ergue como uma cúpula sobre o mundo, minha alma continua a ser rasgada por epifanias inclementes. Não é apenas luz, nem apenas trevas; é a fusão de ambas - como se minha vida tivesse sido escrita não por um só autor, mas por dois escribas invisíveis, duelando com a pena sobre o mesmo pergaminho.

Deus surgiu nele não como o pai compassivo dos altares, mas como a força que, por entre as ruínas, ainda me chamava ao devir - um farol soturno que me obrigava a reerguer-me. Já o Diabo não me recordava mais como carrasco externo, mas como sombra fiel que me deu coragem de descer tão fundo, para que agora tivesse a ousadia de buscar ascender.

Foi então que compreendi, minha existência não é um erro nem uma blasfêmia, mas um pacto inevitável entre o divino e o abissal. Cada lágrima que derramo se torna batismo; cada ferida, sacramento. Eu, que duvidava de tudo, agora derreto na certeza paradoxal de que tanto Deus quanto o Diabo sempre estiveram de mãos dadas sobre o leito de minhas dores e, claro, prazeres insubstituíveis. E pela primeira vez novamente (sim, isso mesmo), em meio ao caos, não me sinto abandonado. Me sinto acolhido, escolhido - não pela pureza, não pela perdição, mas pela guerra perpétua entre as duas. 


(Chacal Ferrabrás)

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