21 de nov. de 2025

19 de nov. de 2025

Distante Cerejeira
















Em eras onde vínculos se desfazem como areia entre dedos,

nossa ligação é relíquia,

um relicário de confiança,

um pacto não selado por palavras,

mas por gestos, silêncios e cumplicidade que desafia lógica.



(Para Cherry Blossom Girl, 2010) - Sem contato há dez anos -


O Conflito das Pedras


- Você sussurra solidão como se fosse condenação; eu respondo com a garganta cortada e a língua em chamas. Dizes que és a repetição, o eco que nunca se cansa, eu digo que essa repetição é um grito que exige rosto. Se tua solidão é monumento, eu vomito pedras sobre ele até que desmorone em vento.

Não quero ser o herdeiro de um silêncio polido; quero quebrar a herança, espalhar os ossos do conforto. Quando cantas sobre esperas infinitas, eu vejo relógios estilhaçados e mãos que não mendigam mais tempo. Tu pedes compreensão num tom de acusação; eu devolvo a resposta em dentes cerrados: compreende-te, então. Há uma beleza suja na tua nostalgia, mas ela fede a desculpa; eu nego o bálsamo, ergo o dedo. Se "agora" é miragem, queimar-lhe-ei os trilhos até que o presente sangue por onde passou. Canta, então, tua culpa e teu desejo, mas não te escondas atrás do refrão; enfrenta o que te fez prisioneiro. Não quero consolo, quero conflito; não desejo pertença, quero revolta. E se a noite insiste em repetir teu nome, farei dela litúrgica batalha: que cada acorde seja máscara arrancada. Volta-te para o espelho da canção e vê, por trás do eco, um corpo pronto para incendiar o amanhecer.

(...)

- Recebo tuas linhas como lâminas que não pedem licença. Não fujo do corte, deixo que ele desenhe no meu peito o mapa das coisas que neguei por anos. Tu me acusas de erguer desertos, e talvez estejas certo; eu me acostumei demais ao vazio, fiz dele argumento, abrigo, disfarce. Mas não pense que não ouvi o estalar da tua fúria: ele vibrou dentro de mim como se o chão tivesse cansado de sustentar mentiras. Sim, eu me escondi em repetições, mas não por covardia, por hábito. Hábito é uma prisão que parece manta quente. Tu arrancou a manta. E eu tremi. Dizes que envenenas meus monumentos - e eu te digo: continua. Se minha memória virou pedra, que seja moída até virar pó. Só assim talvez eu perceba onde termina meu medo e onde começa minha vontade. 

Não peço perdão pelo que fui, mas reconheço o ranço que deixei no ar. Há dias em que meu passado anda atrás de mim como um animal cego, esbarrando nos meus calcanhares. Eu o alimentava com desculpas e agradecimentos sem sentido. Hoje, com tua carta, ele rosna outra coisa: desespero para mudar de forma. Não te devolvo paz, paz seria fuga. Te devolvo franqueza: eu também desejo incendiar alguma aurora, mesmo que minhas mãos ainda hesitem diante da faísca. Tu quer luta? Pois aqui estou, sem máscara, sem altar, sem refrão para me guardar. E se a noite te convoca com meu nome, que ela saiba: não serei mais eco. Serei corpo que avança, sem prometer salvação, mas prometendo presença. Tu feres para despertar. Eu desperto para não morrer no mesmo lugar.

(...)

- Caravana & Alcateia (2009)

18 de nov. de 2025

Me Disseram Ontem


“Transmitir a Verdade é seguir o caminho do amor.” - uma daquelas frases que soam elevadas demais para serem questionadas, mas que desabam como castelos de areia sob a maré do pensamento crítico Vamos começar por onde dói: "a Verdade". Assim, com V maiúsculo, como se existisse uma só, pura, intocada, esperando por corações nobres para ser entregue aos outros como quem distribui pão quente aos famintos. Só que a Verdade (se é que existe) não é uma pomba branca. É mais como um corvo: suja, inquietante, às vezes carregando pedaços de carne pútrida de outras verdades.

“Transmitir a Verdade” sugere que você a possui, que a compreendeu em sua completude. Uma posição arrogante disfarçada de virtude. Afinal, quem acredita ter a Verdade costuma, na prática, ter apenas uma narrativa bem polida pela sua experiência pessoal, ideologia, fé ou vaidade intelectual. Agora, o mais curioso é atrelar isso ao “caminho do amor”. Amor de quem? Amor romântico? Amor platônico? Amor próprio? Ou aquele amor cristão abstrato e genérico que serve pra tudo, mas não resolve nada? Muitas vezes, transmitir a chamada “verdade” é um ato de guerra - não de afeto. Amar, por sua vez, exige silêncio, escuta, dúvida - três inimigos mortais da ideia de verdade absoluta.

Na prática, quem jura transmitir a verdade por amor, frequentemente está impondo convicções pessoais em nome de um bem que o outro sequer pediu. E o mais cruel: pode fazer isso sorrindo, com ternura, enquanto sufoca lentamente a liberdade alheia. Talvez o mais honesto seria dizer:

“A Verdade que você transmite pode ser só o eco da sua vaidade
e o amor, um disfarce para o controle.”

Agora, deixe-me refletir:

E se o verdadeiro amor fosse justamente não dizer a sua verdade, 
mas suportar a do outro em quietude?


(D. Versus)

Palavras do Tabuleiro


CÉREBRO DORMENTE
ESPÍRITO QUE MENTE
MONSTRO SENDO GENTE
E TU QUEM É?
ANTIGAMENTE
INSTINTO ERA PASTOR
E A NATUREZA OBEDIENTE
  

11 de nov. de 2025

Ontem me disseram algumas coisas


A velha máxima piedosa: "Façamos com os outros aquilo que gostaríamos que fizessem para a gente." Primeiro, esta baboseira parte de uma presunção narcísica: a de que o nosso desejo é universalmente benéfico. Como se o que queremos para nós fosse, por algum milagre ético, o que todos desejariam também. Mas quem disse que nossos anseios são nobres? E se o que eu quero é ser deixado em paz, mas o outro anseia por proximidade? E se eu gosto de silêncio, mas o outro implora por barulho? A empatia aqui é preguiçosa: não é sobre entender o outro, mas sobre projetar meu mundo interno no corpo alheio. Trata-se, na prática, de uma colonização emocional.

Além disso, essa frase ignora o abismo da alteridade. O outro não é um espelho - é um estranho, cheio de códigos, traumas, vontades e distorções que não cabem no nosso molde de moral customizado. Agir com base no que EU gostaria não é bondade - é vaidade disfarçada de virtude. Em termos filosóficos, trata-se de uma falácia empática: confunde equidade com espelhamento. A jogada verdadeira começa onde eu reconheço que o outro pode querer exatamente o oposto do que me agrada - e ainda assim merece consideração. Qualquer coisa diferente disso é uma moral de almanaque, pronta pra enfeitar o discurso dos que se dizem justos enquanto pisam com suavidade no que ignoram.

No fim, talvez devêssemos rasurar a frase e reescrevê-la:
"Façamos com os outros o que eles precisam — não o que nos conforta."

E aí, a pergunta que fica é: Deve-ser ter a audácia de perguntar ao outro o que ele realmente quer? Ou melhor continuar "amando" como quem oferece flores a um alérgico - com boas intenções e nenhum entendimento? Ah, o clássico veneno açucarado da moralidade: “Amar ao próximo como a si mesmo.” Uma das frases mais citadas e menos compreendidas da história humana - justamente porque se baseia numa ficção emocional digna de roteiristas hollywoodianos em crise de fé. Primeiro: quem, em sã consciência, ama a si mesmo? A frase parte da pressuposição de que o amor-próprio é uma constante saudável e existente em todos, quando, na realidade, boa parte da humanidade mal se tolera no espelho. Fica mais fácil se olhar numa tela e deslizar os filtros. Se amar ao próximo na mesma medida do amor que se tem por si é o critério, então prepare-se para relações recheadas de autossabotagem, culpa e rejeição velada. E tem mais: o mandamento ainda pressupõe que o “próximo” é um ente simpático, um semelhante digno. Mas o próximo raramente é um amigo: é o vizinho barraqueiro, o colega invejoso, o estranho que odeia tudo o que você aparenta representar. Amar esse “próximo” exige um esforço que beira a mutilação interna, especialmente quando seu amor-próprio já vem dilacerado.

E o que é amar a si mesmo, afinal? É se mimar? Se disciplinar? Se proteger da dor ou se permitir senti-la e com ela todos os aprendizados que os mais afortunados de forma infeliz não os possuem? Essa equação mal formulada joga a responsabilidade do afeto em cima de um conceito escorregadio e mal resolvido. Pior: transforma o amor em obrigação moral, não em encontro genuíno. A verdade nua, esfolada e crua é que essa frase serve mais para alimentar a culpa dos que não conseguem amar (nem o outro, nem a si), do que para guiar algum tipo de iluminação relacional. É um idealismo emocional vendido como bússola (quando, na prática, é um labirinto metódico).

Então talvez seja mais honesto dizer:
“Aprenda a nadar em si antes de tentar salvar alguém de qualquer naufrágio.”
Sei lá. Será que o amor é mesmo a união de mundos ou apenas um instinto
que romantizamos por pavor do abandono? Poderia o medo gerar bons frutos?

...

7 de nov. de 2025

Deambulações do Percurso


Estava em um templo, não daqueles antigos, mas algo híbrido: arquitetura fria, metálica, com vitrines ao invés de vitrais. O púlpito era suspenso, como uma plataforma flutuante. Lá estava ele: um pastor evangélico. Roupa social, microfone sem fio, olhos em transe. Ele não falava em português, nem em qualquer língua terrestre, mas eu compreendia (como se o sentido fosse direto à consciência). A platéia... não eram humanos. Eram seres altos, sem boca visível, olhos negros e pele azul-acinzentada, fosca, como o céu de um planeta cansado. E, estranhamente, estavam atentos. Sérios. Alguns até... emocionados? O pastor bradava sobre salvação. Dizia que Jesus não era exclusivo da Terra, mas um emissário cósmico, enviado para corrigir o “erro do livre-arbítrio disseminado pelo universo”. Ele falava de Lúcifer como um programador rebelde. Citava passagens bíblicas como se fossem coordenadas estelares. Num momento, ergueu uma Bíblia (que brilhava com uma luz dourada que pulsava como coração). E os alienígenas começaram a emitir um som gutural. Parecia um cântico. Em uníssono. O sonho terminou com todos ajoelhados, inclusive o pastor, em silêncio total. Algo estava chegando do céu, não uma nave, mas uma presença. E antes que ela descesse, acordei.


(Diário de Bordo, 01/11/25)

3 de nov. de 2025

Os Bruxos de Westchester


"Apareça, demônio amado,
E verte a nós o teu sangue!

Tu que és todo sagrado,
faz com que a vida se estanque!

Seremos os teus seguidores
sempre fiéis, combatentes...

Pois tu livrarás as dores
de todos aqui presentes!"


(Tom DeFalco, Os Torpedos)

26 de out. de 2025

Druk de Thomas Vintenberg


Esse filme é o brinde mais sóbrio à embriaguez humana 
— um gole entre o riso e o abismo, onde o álcool serve apenas
para revelar o que a vida tenta esconder.

...

25 de out. de 2025

New Blood


 As I walk along I wonder

What went wrong with our love
A love that was so strong
And as I still walk on I think of
The things we've done together
While our hearts were young

I'm a-walkin' in the rain
Tears are fallin' and I feel the pain
Wishin' you were here by me
To end this misery
And I wonder, I wo-wo-wo-wo-wonder

O SALTO


(crônica para a revista Capricho)

A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato -- pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente -- você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas.
Passos improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento. Uma festa cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o que é, mas que deve ser celebrada. Abraços, borrachudos, a primeira visão de seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus?!), respirações ofegantes, camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas -- mãos dadas no cinema, uma poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço. Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das pequenas descobertas, que sou feliz.
Talvez, céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante. Silêncios onde deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente, gritos até. Depois faremos as pazes. Ou não?
Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte -- quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo -- o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão --, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

(Antônio Prata)

22 de out. de 2025

Pantera


FUCKING HOSTILES!

America


 "Because there ain't no one for to give you no pain."