23 de jun. de 2024

Castigo do Orgulho


Gritou, possuído então de um orgulho satânico:
"Jesus, ó meu Jesus! Te ergui à etérea altura!
Mas se, ao contrário, eu te golpeasse na armadura,
Tua vergonha igualaria atua glória,
E não serias mais que um feto sem história!"


(Charles Baudelaire, "As Flores do Mal")

A Musa Doente


O que tens essa manhã, ó musa de ar magoado?
Teus olhos estão cheios de visões noturnas,
E vejo que em teu rosto afloram lado a lado
A loucura e a aflição, frias e taciturnas.

Teria o duende róseo ou o súcubo esverdeado
Te ungido com o medo e o mel de suas urnas?
O sonho mau, de um punho déspota e obcecado,
Nas águas te afogou de um mítico Minturnas ?

Quisera eu que, vertendo o odor da exuberância,
O pensamento fosse em ti uma constância
E que o sangue cristão te fluísse na cadência

Das velhas sílabas de uníssona freqüência,
Quando reinavam Febo, o criador das cantigas,
E o grande Pã, senhor do campo e das espigas.


(Charles Baudelaire, "As Rosas do Mal")

Os Faróis


Sem dúvida, Senhor, jamais o homem vos dera 
Testemunho melhor de sua dignidade 
Do que esse atroz soluço que erra de era em era 
E vem morrer aos pés de vossa eternidade!


(Charles Baudelaire, "As Rosas do Mal")

Ismália


Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...


(Alphonsus de Guimaraens)

20 de jun. de 2024

Dia Mundial dos Refugiados


DIA 172:

"As asas de gigante impedem-no de andar." (Baudelaire)

Firme na fé com graça e coragem, sem temor. A luz divina me guia na escuridão que conforta meus íntimos perigos. Elevado pela Palavra sigo a trilha da Grandeza. Na sombra da minha alma reside treva e te suplico a noite eterna do conforto celeste, ardor do Infinito, me torne névoa e cinza, indiferente com as imprevisibilidades do tabuleiro. As dores como ruínas inevitáveis desesperam o meu espírito que em prantos clama a vastidão do Nada... e me vejo distante, alheio da minha identidade. Te encontro.

(Ela) - Mas Fentanil é atribulação que tu estarás arranjando para ti.
(Eu) - Disseste o mesmo sobre o lítio.
(Ela) - É mil vezes mais mortal que morfina, e...
(Eu) - Adoro o cheiro de opioides sintéticos pela manhã.
(Ela) - Noto que dependência química, overdose e morte são...
E juntos concluímos:
(Eu) - Minha Trindade mundana. (Ela) - Sua Trindade sagrada.

O único medicamento digno do teu corpo é a tua consiência. - Filipe Lux














(Diário de Bordo)

Benção


(...)

Bem sei que a dor é nossa dádiva suprema, 
Aos pés da qual o inferno e a terra estão dispersos, 
E que, para talhar-me um místico diadema, 
Forçoso é lhes impor os tempos e universos.

(...)

(Charles Baudelaire, "As Rosas do Mal")

19 de jun. de 2024

No Crepúsculo Soturno dos Teus Olhos


teus lábios como
pétalas de uma rosa negra
sussurrando
segredos ancestrais
que despertam
o meu desejo
- um beijo e quero mais

Vejo reflexos de luas eclipsadas
enigmas em versos
pulsando melodias enfeitiçadas
tudo em teus olhos
faz-de-conta janelas encantadas

Bruxuleante sonho - pensamentos severos


(Cássio D. Versus)


18 de jun. de 2024

Para Meu Irmão Theo (II)



"Eu coloquei minha alma e meu coração em meu trabalho,
e perdi minha mente no processo." 

(Carta a Theo van Gogh, 1889)

Para Meu Irmão Theo


"Eu sinto que há algo a mais.
Eu sinto que a natureza,
pintada por alguém que a sente profundamente,
é mais real do que a realidade..."

(Carta a Theo van Gogh, 1883)

14 de jun. de 2024

Sheol


Nas profundezas do Sheol tricotado para mim onde os sonhos se desfazem e os suspiros transformam-se em ecos sem fim lá está o inferno da angústia eterna onde as almas vagam perdidas em si e cada passo ecoa no silêncio sombrio uma melodia de pesar e dor intermináveis conforme o tempo não passa (apenas se arrasta) enquanto o coração bate num ritmo fúnebre e vil as sombras dançam o balé macabro da solidão refletindo tormentos que nunca cessam os olhos choram lágrimas de fogo neste abismo sem salvação os sussurros são gritos sufocados de amores perdidos e sonhos destruídos (enlatados) corações partidos almas despedaçadas dor que rasga como lâminas afiadas neste reino de duradoura condenação a esperança é uma miragem cruel e a paz um conceito esquecido perdido no redemoinho do infinito fel - lágrimas caem mas não trazem alívio e o tormento não passa d' constante ciclo sem fim angústia onde a luz nunca encontra seu caminho.


(Cássio D. Versus)