Chamavam-no de Conde, embora ninguém soubesse de qual maldita nobreza ele herdara o título (talvez de Satã, talvez do tédio). Era um homem que gargalhava diante da moral, esse "artifício frágil dos fracos". Suas vestes exalavam lascívia e bibliotecas queimadas (adorar incendiar os livros que terminava). Tinha um olhar que penetrava mais que os corpos que colecionava como se fossem moedas depravadas. Na infância, afogou bonecas antigas da mãe no poço e seduziu criadas com olhos de ausência humana. Quando os outros rezavam, ele dissecava passagens bíblicas à luz de velas negras, recitando versículos enquanto enforcava insetos com fios de cabelo. Foi educado por tutores que sumiram misteriosamente após lhe ensinarem latim, francês e os limites da vergonha (que ele jamais reconheceu).
Era um entusiasta do descontrole. Cultivava festas como se fossem rituais. Homens e mulheres (às vezes, ambos num só corpo) se dobravam diante dele como páginas de um livro depravado. Cada noite era um espetáculo de gemidos filosóficos, uma encenação do caos com lubrificante e Nietzsche.
Chamava seus orgasmos de "revoltas pessoais". Fazia amor como se vingasse todas as prisões da história. Dizia que a luxúria era o único caminho possível entre o absurdo da existência e o silêncio da cova. Recusava o amor - achava-o infantil, domesticado, quase cristão. Mas adorava a entrega desesperada dos que acreditavam nele.
No centro de seu palácio havia uma sala sem janelas, com paredes revestidas de espelhos sujos e tapetes manchados de gozo e velhas lágrimas. Lá, escrevia contos que ninguém ousava publicar e guardava cartas de amantes que ele chamava de “ex-vítimas voluntárias”. Às vezes, lia as cartas durante o jantar, entre uma uva embebida em vinho e um comentário sobre o niilismo de Schopenhauer. Mas mesmo o perverso cansa. As orgias começaram a parecer monótonas. Os gritos já não excitavam, apenas lembravam a ele que tudo no mundo termina: a ereção, o vinho, o riso, o próprio desejo.
Foi então que decidiu organizar sua última festa. Mandou convites perfumados assinados com sangue e aromatizados de absinto. Os convidados compareceram sem saber que seriam, naquela noite, simultaneamente o banquete e os sacrifícios. A ceia foi embebida de delírio, e ao final, enquanto corpos desfaleciam em êxtase e ruína, ele se retirou para o sótão - com um sorriso mais lúcido do que deveria. Lá, nu diante do espelho, com a genitália repousando como um herói aposentado, olhou a si mesmo com desdém e desejo. E escreveu com batom no vidro: "E mesmo assim, não valeu a pena."
(Don Ford)
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