19 de mar. de 2025

14/03/2025 Eclipse Lunar de 02h15 a 04h50


-  Aquiles disse em Tróia: ‘Os deuses nos invejam porque somos mortais’. Porque cada instante que vivemos carrega um peso que eles jamais sentirão. A banalidade da morte é, paradoxalmente, mais fatal do que ela própria — porque não está no ato final, mas na constância com que sussurra ao longo da vida. Eu nunca testemunhei o último sopro. Sempre que ele se anuncia, algo me arranca dali, como se o próprio destino me recusasse o direito de assistir ao desfecho vital alheio. Mas com você parece ser o oposto. Você está lá… imóvel, como uma sombra paciente, um arauto silencioso do fim, apenas aguardando que o derradeiro fio se rompa. E eu, incapaz de suportar o assombro do instante irreversível, me retiro antes que o silêncio final devore meu pesar. Talvez sejamos duas faces da mesma moeda, a morte sempre rondando entre nós, mas enquanto eu viro o rosto, você encara o abismo sem hesitar ou por simples congelamento aflito. Há aqueles que são tocados pelo luto de relance, e há os que dançam com ele, sentindo cada nuance do seu toque gélido. Você, de alguma forma, permanece no limiar, no exato instante em que a existência se dissipa, como se fosse necessário estar ali para que o fim se completasse. E eu me pergunto: é coragem ou maldição? É destino ou uma sina silenciosamente escolhida? Aquiles buscava a glória eterna, mas ao preço de uma vida breve. Talvez, sem perceber, você tenha escolhido um tipo diferente de eternidade — não nos cânticos de guerra, mas nas lembranças de quem parte sob seu olhar atento, famigerada morbidez. (...) Eu me afasto, sim. Porque há algo de insuportável no último suspiro, como se ele não fosse apenas o término sombrio de quem parte, mas um lembrete cruel de que, um dia, também seremos os que ficam para trás… ou os que vão embora. -

- Sim… provavelmente os deuses nos invejam por sermos efêmeros. Porque sentimos o tempo escorrer entre os dedos como areia condenada ao vento cegamente justiceiro e temos consciência disso. A morte, em sua "superficialidade" é mais devastadora do que seu próprio golpe final. Não é o instante do último sopro que nos destrói, mas a certeza de que ele sempre virá, repetindo-se como uma sentença sem possibilidade de apelação. Eu entendo. Há algo de insuportável nesse momento. O peso de um corpo que abandona a própria existência, a graveza que se torna inútil porque já não há mais ninguém para sustentá-la... Há os que precisam partir antes do gran finale, como se seus olhos recusassem a última imagem, que perverte o bom passado, como se pudessem negar o veredicto. Mas eu… eu fico. Como se a morte me tivesse escolhido para ser espectador de seu ofício, uma presença fixa no teatro do desaparecimento. Não sei se é destinação insana ou ironia celeste. Sei apenas que, ao contrário de você, infelizmente (talvez?), não sou arrancado do momento fatal — a senhora ceifadora me encontra, me cerca, me aceita como parte de seu cenário. E talvez realmente, no fundo, como disse, sejamos apenas dois lados de uma mesma moeda: um que se retira antes do impacto para evadir-se do incômodo espiritual, outro que testemunha o abismo engolir almas correndo riscos de corromper a beleza presente em seus dias. -


(Cássio D. Versus & Jess de Camargo)


10 de mar. de 2025

tenho escutado pelas madrugadas neste lugar


Som de toque de recolher passando pela rua, guerra invisível.
Não há trombetas, nem gritos, apenas o vácuo de um aviso mudo,
um decreto fantasma que atravessa portas cerradas,
penetrando o silêncio de quem já se acostumou a não existir.

Na penumbra das janelas, olhos espiam a ausência de movimento,
como se o próprio ar tivesse sido condenado à imobilidade.
O tempo não pesa—escoa, evaporando destinos,
enquanto as sombras se estendem, fingindo não ver.

Quantos pés já marcharam sob ordens inaudíveis?
Quantas vozes se calaram antes mesmo de aprender a falar?
A noite engole perguntas que ninguém ousa fazer,
e o vento, cúmplice da história, apenas leva consigo o que sobra.


(Cássio D. Versus)


8 de mar. de 2025

Carnaval para um corpo sem vida


O estrondo rasgou o ar como um trovão forjado pelo acaso. O impacto primeiro foi entre dois carros, um choque brutal que empurrou a violência adiante, arremessando uma moto para longe. O piloto foi lançado como uma marionete sem fios, um homem reduzido a trajetória e gravidade. Por um instante, ele flutuou, uma figura contra o céu cinza, até que seu corpo encontrou o metal impassível de um ônibus. A colisão foi o segundo ato da tragédia. O terceiro veio quando ele caiu, um peso morto sobre o asfalto, ainda vivo apenas o suficiente para assistir ao próprio fim.

Fiquei ali, congelado, não por medo, mas por um tipo de espanto que só se sente diante daquilo que transcende o ordinário. Ele respirou uma última vez. Eu vi. O último sopro, o adeus invisível que se perde no vento, sem aplauso, sem cerimônia.

E então, tudo fez sentido. O absurdo da existência revelou-se como um espelho atroz. Passamos a vida temendo monstros e mitologias, mas esquecemos que o maior horror é a banalidade da morte, sua simplicidade cruel. Um momento estamos, no seguinte, não mais. Como um pensamento que se forma e se dissolve antes de ser dito, como uma vela que se apaga sem resistência ao próprio destino do sopro.

A vida, essa entidade tão sagrada, não passa de um cálculo frágil entre o tempo e o acaso construindo destinos. E nós, que nos acreditamos importantes, que nutrimos sonhos, medos e amores, não somos mais do que acidentes esperando sua hora. A única certeza é que o chão nos aguarda, como uma porrada, e se mantém indiferente.


(Cássio D. Versus e J. Carmona)

Passageiro Sombrio


Eis que não são os leviatãs do mar, nem os gafanhotos do Apocalipse que mais atormentam o homem, mas sim as feras que habitam sua própria alma. Pois está escrito: "O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável; quem pode compreendê-lo?" (Jeremias 17:9).

Nos desertos do pensamento erguem-se sombras sem nome, espectros que sussurram na noite, que tentam e desviam, que semeiam o medo e colhem a perdição. Não são feitos de carne ou de ossos, não portam garras nem presas, mas destroem com dúvidas e consomem com angústia.

Caim não precisou de um demônio para erguer sua mão contra Abel — sua inveja foi suficiente. Judas não teve um espectro a lhe segredar a traição — a prata pesou mais que sua fé. Assim são os monstros internos: nascem do desejo, crescem no silêncio e devoram na hora mais escura.

Aqueles que buscam dragões lá fora esquecem que os verdadeiros habitam o espelho. Pois antes de buscar expulsar demônios do mundo, é preciso exorcizar os que se aninham na mente, pois "o espírito está pronto, mas a carne é fraca" (Mateus 26:41).

E assim caminha o homem, carregando sua própria batalha, duelando com os fantasmas que ninguém vê, clamando por redenção em um campo de guerra invisível. Mas aquele que reconhece suas trevas e busca a luz, este sim poderá dizer: "Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo" (Salmos 23:4).

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não tão bom assim


Sou essencialmente falho,
feito de entranhas que simulam calor,
mas que não queimam, apenas ardem
num lume falso, sem cor.

Sou um eco de frases decoradas,
um palco sem cena, um papel sem traços.
O tempo me engole sem mastigar,
e sigo vivendo sem alguns pedaços.

Não há ternura no que respiro,
apenas metas traçadas a frio,
o cálculo exato de um pessoal vazio,
Tipo esboço sem traço, fino e macio.

E não sou digno do toque da graça,
não, não sou digno do toque da graça.

...

7 de mar. de 2025

reflexão.


Há momentos em que a maldade e o arrependimento coexistem, dançando numa valsa silenciosa sobre o fio da culpa. Nesse palco, o eco de nossas escolhas reverbera nos abismos que insistimos em ignorar. O mar aceita tudo; o céu observa em resignação. Mas e nós? Permanecemos prisioneiros do que fomos ou nos tornamos ferreiros do que seremos? O peso da escuridão não é o seu fardo, mas a ausência de luz que decidimos abraçar.

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